domingo, 27 de fevereiro de 2011

ESTADO E LUTA DE CLASSES

Edmilson Marques

Nos últimos tempos tem-se ouvido grunhidos de que não existe mais a luta de classes. Alguns ousam ainda dizer que essa é uma “idéia” superada. Já em relação ao estado percebese que no pensamento corrente o mesmo é tomado como sendo a cúpula governamental. Alguns pensadores ainda ousam afirmar que o estado está em todo lugar, semelhante ao que Foucault fala do poder, ele “funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercê-lo” (Foucault, 1979, p. 223). Ou ainda, que o estado é o meio pelo qual poderá se efetivar a transformação social no sentido de substituir as contradições provenientes do capitalismo e em seu lugar instituir um estado que atenda de fato aos interesses da classe operária.
É. Quando é dado um tratamento abstrato aos fenômenos sociais, privilegiando a idéia, de fato tudo se torna possível. Porém, a nossa proposta é buscar a compreensão do estado e da luta de classes a partir das relações sociais reais no capitalismo. Quando os ideólogos afirmam que a luta de classes é uma idéia superada, estão apenas exclamando uma das faces tautológicas idealistas. O pensamento desses ideólogos assemelha-se a Oberon e Titânia, na obra “Sonho de Uma Noite de Verão” de Shakespeare, que divagam pelas entranhas da sociedade sem que sejam vistos, percebidos. São abstrações que, por sua vez, cristalizam-se nas ações dos indivíduos, estimulando-os a agirem contrariamente ao que agiriam se não tivessem essas interferências exteriores. Por outro lado, ao privilegiar a idéia, o real se transforma, no pensamento, em abstração, numa confusão generalizada, e dificulta a compreensão da realidade por não existir uma relação concreta entre o pensamento e o que existe de fato. Esse pensamento “inverte a realidade, isto é, não consegue expressar o real, mas realiza sua deformação” (Viana, 2006, p. 127).
A primeira questão que buscaremos compreender, no entanto, é que o estado é uma conseqüência da luta de classes a qual tem suas raízes fincadas no solo concreto da sociedade, mais precisamente, nas relações de produção. É aí que está a possibilidade de uma transformação definitiva das relações sociais; é onde dever ser direcionada a atenção em busca dos desejos da grande maioria que compõe a sociedade.
Marx e Engels, no prefácio à edição alemã do “Manifesto do Partido Comunista”, afirmam que “(desde a dissolução do regime primitivo da propriedade comum da terra), toda a história tem sido uma história de lutas de classes, de luta entre as classes exploradas e as classes exploradoras, entre as classes dominantes e as classes dominadas” (Marx e Engels, 2003, p. 29). Na ótica dos perdulários capitalistas parece ser essa uma concepção ousada; principalmente por ser dita num tempo em que se diz que a luta de classe já está superada. Essa concepção, porém, tem sua expressão na realidade. A luta de classes é a expressão direta 
da relação entre  dominantes e dominados, a relação fundamentalmente existente no capitalismo. 
A compreensão da luta de classes, portanto, favorece e contribui para a efetivação da transformação definitiva que colocará abaixo todas as contradições e mazelas que oprime a maior parte da sociedade. Se foi dito que a história que conhecemos é a história da luta de classes e que essa luta de classes é expressão da concreta existência de dominantes e dominados, portanto, podemos concluir que o capitalismo é fundamentalmente a expressão mais desenvolvida das lutas de classes. E quais são as classes envolvidas nesse processo de luta? Marx diz claramente em todos os seus escritos: proletariado e burguesia. Portanto, é a relação entre essas classes que fundamentalmente irá emergir definitivamente as relações sociais da modernidade. E que relação é essa proveniente da luta entre essas classes? A relação baseada na exploração que a burguesia exerce sobre o proletariado.
Essa exploração ocorre no processo de produção, no ato da solidificação do trabalho daquele que intelectual e corporalmente coloca todas as suas forças na criação daquilo que no capitalismo vem se chamar mercadoria. Essa relação se dá por que a burguesia possui os meios de produção e submete aqueles que não os possui aos seus ditames, reproduzindo, assim, o seu estado de dominante e de pessoa desocupada. É com o monopólio dos meios de produção que um indivíduo consegue deixar sob o seu controle, determinando-lhes o que fazer, uma quantidade imensa de trabalhadores. Nesse sentido, os trabalhadores teriam apenas duas escolhas para sobreviver. Ou se submeter às regras determinadas por aqueles que detém os meios de produção ou, unidos, tomar esses meios de produção para si. Já que quem detém os meios de produção é uma minoria, então as forças que estariam no combate seriam desproporcionais, ganhando daí o mais forte, como diz Darwin, e nessa luta quem vence, é obvio, são os proletários já que é a maioria, e por ser trabalhadores têm maior força intelectual e melhor preparo físico. Porém, há uma contradição aí. Porque então que essa maioria continua submissa e sendo oprimida e explorada pela minoria? De fato é uma contradição que os pensadores que privilegiam a idéia entram em conflito com sua própria idéia, pois, não conseguem buscar no seu pensamento uma explicação para isso, até tentam, mas não conseguem expressar o que acontece. Alguns acabam enlouquecendo, outros divagam através da ciência, enfim, buscam em suas idéias uma explicação para as contradições do mundo concreto. Como  coloca Lukács, “não basta que o pensamento tenda para a realidade; é a própria realidade que deve tender para o pensamento” (Lukács, 2003, p. 65).
Então, como pode ser observado, para que os trabalhadores possam continuar sobrevivendo, “parece” que optam escolher a primeira opção, ou seja, se submeter às regras dos capitalistas. Logo adiante partiremos deste ponto para explicarmos o estado. Portanto, essa relação entre trabalhadores e capitalistas é o que vai ser chamada de luta de classes. Essa relação determina o fundamento do capitalismo. A burguesia com seu poderio econômico e político, busca de todas as formas reproduzir os seu estado de dominante expropriando o trabalho do conjunto dos trabalhadores. O produto desta expropriação é o que vai ser denominada por Marx de mais-valia. Esse trabalho expropriado (mais-valia) vai sendo acumulado e como uma bola de neve, vai crescendo, expressando o poder daquele que expropria e esse poder é expresso no capital. Essa é a dinâmica que vem a ser denominada de capitalismo. Com o processo constante de expropriação, o capital parece tomar vida própria. Com isso vai ganhando forças se assemelhando a um Highlander que ao cortar a cabeça de outro, ao matar uma vida, a mesma lhe é incorporada, e a cada vida morta vai crescendo e se diferenciando da humanidade em força e tamanho, automatizando-se e se transformando num ser de força inigualável, submetendo toda a humanidade ao seu poder.
O capital por sua vez, com seu poderio inigualável, assim como o super-homem cuja força não encontra adversário em toda a Via Láctea, pode ser vencido e até extinto. O Super Homem na presença da criptonita se enfraquece e se transforma num mortal. A raiz de seu poder, neste caso, é sua própria fraqueza e ao mesmo tempo o meio de ser vencido. O capital, semelhantemente tem seu poder assegurado na relação de trabalho existente entre burguesia e proletariado. É aí que se encontra a raiz de seu poder, e é aí também que o poder do capital pode ser colocado em xeque e ser levado à sepultura.
O capital existe, por que existe a relação de expropriação exercida por aqueles que detém os meios de produção. A mais-valia é a expressão desta expropriação e sua acumulação no processo de produção é que vem a se denominar capital. A mais-valia é o trabalho realizado pelo trabalhador, porém, é apropriada pelo não trabalhador. Esses primeiros foram caracterizados por Marx de “trabalhadores produtivos”, e os segundo, mediado pela burocracia, sua expressão moderna, de “trabalhadores não produtivos”. Os trabalhadores produtivos recebem essa denominação por serem produtores de mais-valor, de serem expropriados de seu trabalho. Mas para que esse trabalhador seja produtor da mais-valia o mesmo é submetido ao controle dos que não produzem, ou seja, dos trabalhadores não produtivos. E o sustento desses últimos é retirado do trabalho do primeiro, daquele que é explorado. É nesta situação que se localiza a essência do capitalismo moderno.
Com o processo de modernização do capitalismo a classe controladora vai aumentando o número de seus integrantes, juntamente com o processo de produção sustentado pela tecnologia, processo esse denominado automatização do trabalho. Porém, essa automatização não produz mais-valia, já que a mais-valia é produto da expropriação do trabalho do trabalhador produtivo, e não da máquina trabalhadora, nem mesmo do trabalhador improdutivo. A máquina, com seu potencial produtivo, apenas repassa o seu valor à mercadoria, enquanto que o trabalhador, além de assegurar o valor repassado pela máquina à mercadoria, ainda lhe dá de presente outra massa de valor. Valor esse que vai ser apropriado pelo não produtor, e ao ser apropriada por este, o mesmo faz a sua divisão com aqueles que estão à sua volta e ocupam a mesma posição no processo de produção. Como urubus na carniça, seus próprios companheiros de classe vão lutar até o fim para decidir quem fica com a maior fatia do trabalho expropriado. Porém, com o aumento da burocracia o número de trabalhadores não produtivos vai aumentando, bem como de pessoas sem trabalho alienado, o que aumenta também, a quantidade de trabalho ocioso. No capitalismo o indivíduo é visto como trabalho, e trabalho é sinônimo de mais-valor. Portanto, na ótica capitalista, estando então o trabalho em estado de ociosidade, naturalmente que a força do capital diminui, assim como a quantidade de famintos aumentam. Simultaneamente a carniça diminui e aumenta a massa de urubus. Desta relação o que resta? Resta aos famintos lutarem em busca de comida, mesmo que tenha que matar o outro para se alimentar. O capital vai perdendo força, a carniça não mais é suficiente para alimentar os urubus, e acabando a carniça, conseqüentemente morrem os urubus. Morrendo os urubus, resta apenas o trabalhador que na luta entre seus 
companheiros ainda encontra no outro, um braço com carne para se alimentar.
É de fato uma relação trágica, mas é essa a tragédia existente no capitalismo. O trabalhador em busca de sua sobrevivência se esbarra na ganância dos detentores dos meios de produção. E ao ser submetido aos seus ditames, lhe proporciona todas as possibilidades de legitimação do processo de exploração do capital. Porém, ao ser submetido aos ditames do não produtor, acaba percebendo que é capaz de modificar o processo de produção e lutar em busca desta modificação. Assim ocorreu na história a redução do tempo de trabalho  de dezesseis horas para oito horas. 
Com a diminuição do tempo de trabalho, os trabalhadores não produtivos buscaram solucionar a queda da taxa de lucro médio proveniente da redução do tempo de trabalho, criando estratégias para aumentar a produção e alcançar em oito horas a quantidade produzida antes em dezesseis horas. Neste caso a tecnologia lhe foi útil já que com ela houve a possibilidade de determinar o ritmo de trabalho a ser desenvolvido pelo trabalhador. Basta lembrar do filme “Tempos Modernos” em que o trabalhador, na figura de Chaplin, na esteira da produção, é determinado a seguir o ritmo da máquina, e de acordo com o ritmo oferecido pelo controlador da máquina, aumentando ou diminuindo o ritmo desta, o trabalhador é determinado a produzir conforme lhe é exigido. Daí a necessidade de trabalhos técnicos e especializados, já que na esteira da produção determinada pelo tempo, não se permite que uma pessoa exerça mais de uma função.
Podemos tomar como exemplo para tornar claro o que estamos expressando, uma fábrica onde se produz pizza. Aquele que produz a massa da pizza, se estiver submetido ao ritmo de uma esteira, de uma máquina, não pode ao mesmo tempo colocar-lhe um adorno, de azeitona por exemplo. Assim, essa função é exercida por outro trabalhador, que ao receber a massa na esteira, apenas lhe coloca a azeitona, assim como mais à frente outro coloca a fatia de tomate, outro coloca o queijo ralado, chegando àquele que lhe empacota, enquanto outro a leva a refrigeradores para conservar até chegar às prateleiras, por outros tantos especialistas, e ganhar a mesa de vossa formidável casa. Nesse processo, aquele que coloca a azeitona, ao trabalhar oito anos na mesma fábrica pode aprender em oito anos, de forma magnífica e profissional, colocar a azeitona; o que não quer dizer que ao trabalhar oito anos numa fábrica de pizza lhe dá o direito de ser produtor de pizza. Assim, ao perguntar um trabalhador de uma fábrica de pizza como se faz uma pizza, não seria de estranhar a resposta: “colocando azeitonas”. Neste caso percebe-se claramente que esse colocador de azeitonas é privado de desenvolver suas habilidades múltiplas. Além disso, do seu trabalho sai o potencial do capital que será dividido mais tarde entre seus colaboradores. Ao perceber que pode fazer mais do que simplesmente colocar azeitonas, buscará, naturalmente, como qualquer ser humano buscaria fazer, aprender também a colocar o tomate, a fazer a massa, a produzir tempero, e, além disso, a adquirir ou produzir toda a matéria prima para lhe dar condições para que ele próprio produza com apenas seu esforço uma pizza que possa lhe ser útil na vida, e atender aos interesses de seu estômago. Assim como ele, todos os outros trabalhadores vão percebendo que também podem fazer o mesmo e além de tudo, que, sendo trabalhadores, 
podem gerir seu próprio trabalho sem a presença de controladores ou mandatários.
Estando então, esse conjunto de trabalhadores conscientes do que são capazes de fazer, começam a lutar em conjunto para que seus interesses se efetivem. Ao fazerem isso se deparam com essa classe de perdulários (burocracia) que vão também lutar juntamente com seus companheiros de classe para manter essa relação, já que a manutenção de sua desocupação e  de seus privilégios (da burocracia) depende fundamentalmente que os trabalhadores continuem, cada um em sua função, se apresentando tão somente com seu trabalho na esteira da produção, ou seja, que continuem trabalhando e sendo explorados.
Essa relação de conflito vai se reproduzindo. De um lado os trabalhadores que são a maioria, lutam pela efetivação de seus interesses (o interesse da classe trabalhadora), e os não trabalhadores, que são a minoria, concomitantemente buscam efetivar seus interesses. Essa luta não acontece no âmbito individual, embora possa acontecer também, mas a luta se estende num sentido mais amplo, alcançando todo o globo terrestre na dualidade existente entre burguesia e proletariado. Concordando com Marx, “a burguesia só consente ao proletariado uma usurpação: a luta.” (Marx, 1956, p. 37). 
Dissemos antes que, como pode ser observado, os trabalhadores para continuarem vivendo, “parece” escolher a opção de submissão às regras dos exploradores. Podemos chamar isso de escolha ou de uma determinação? Isso se assemelha aos energúmenos que submetem pessoas a choques elétricos para tirarem delas uma resposta que queiram ouvir. Por exemplo, suponhamos que ao estar colocando azeitonas nas pizzas, o trabalhador sente fome e daí, ao verificar que não há um controlador por perto, come uma azeitona e joga a semente ali por perto. O controlador ao ver a semente deduz então que algum daqueles trabalhadores que estão ali por perto tenha comido uma azeitona, e ao comer uma azeitona o trabalhador estaria interferindo no lucro do não trabalhador. Na esteira da produção o trabalhador é impedido de consumir aquilo que produz, já que sua produção é apropriada pelo não trabalhador. Neste caso, consumir o que produziu vai contra os princípios capitalistas, mas não dos trabalhadores. Nesse sentido, aqueles que controlam o trabalho buscarão criar várias estratégias para impedir que o trabalhador consuma o que produziu. E se isso acontecer, de o trabalhador comer o que produziu como no caso do colocador de azeitonas, o trabalhador é submetido às mais cruéis formas de torturas.
O trabalhador na relação de trabalho capitalista não tem escolha e acaba tendo que se submeter aos ditames dos controladores. É claro que no mundo moderno essa relação não acontece de forma explícita como relatamos no caso do comedor de azeitonas. Os controladores utilizam-se de técnicas mais “avançadas” como dizem eles próprios, para aumentar a produção e diminuir os gastos. Dizem ser flexíveis e estar, num ritmo acelerado, em busca de técnicas  modernas para dar ao trabalhador autonomia necessária para que ele decida e determine as relações no processo de produção. Claro que isso é uma ideologia e acaba ocultando a relação de exploração já que o trabalhador é estimulado a acreditar que de fato é  senhor de si mesmo. Porém, essa crença de ser senhor de si mesmo se esbarra e se modifica a partir de um simples erro do trabalhador no ato da produção. Se os lucros do detentor dos meios de produção diminuir, quem paga por tal diminuição acaba sendo o próprio trabalhador, já que, segundo a tecnocracia, lhe foi dado a autonomia de escolher como produzir. Essa é a idéia defendida pela classe que domina e o trabalhador neste ínterim, não tem voz, nem vez.
Bem, mas ainda não chegamos ao ponto que cabe ao estado. Já tratamos da luta de classes. Percebemos como que se dá a relação do trabalhador e do não trabalhador (proletariado e capitalista); relação essa que tem sua expressão na luta de classes. Mas, e o estado? A partir da reflexão que traçamos nesse texto podemos concluir que o estado é o estado em que se encontram os trabalhadores. Mais do que isso, que o estado, é a relação social derivada do processo de produção. Neste caso, concordamos com Nildo Viana, que segundo ele “o estado é uma relação de dominação de classe mediada pela burocracia com o objetivo de manter e reproduzir as relações de produção às quais está submetido” (Viana, 2003, p.15). Esse estado de opressão e dominação ganha adeptos e apoio naqueles que buscam reproduzir tal estado, já que vivendo em função dele, o mesmo entra também para o grupo dos indivíduos que repartem entre si a mais-valia expropriada do trabalhador. 
Movidos por esta intenção, alguns criam os meios de comunicação de massa, outros igrejas, outros tantos escolas, uns poucos partidos políticos e o conjunto dos não trabalhadores apóiam essa iniciativa já que lhes trás benefícios. Por fim instituem um parlamento, cuja função é gerir, reproduzir e legitimar a relação de dominação, representando a classe que lhe deu vida, ou seja, a classe dominante, dos não trabalhadores.
Como todo representante da burguesia acaba buscando também se apropriar de uma fatia do bolo da mais-valia, e caso permanecesse o mesmo representante por um período longo a burguesia correria o risco de jogar pelo ralo a falsa consciência instituída de que o estado é o meio através do qual há a possibilidade de acabar com as contradições do capitalismo e assim, coloca fim em seus privilégios, então foi instituído que esse representante seria substituído de quatro  em quatro anos. Por outro lado, de acordo com os interesses da burguesia, seria muito trabalhoso se ela mesma ficasse incumbida de escolher seus próprios representantes. Nesse sentido, determinaram então, que a escolha seria feita por toda a sociedade, o que alimentaria, simultaneamente, a falsa consciência de que tendo a possibilidade de escolher um representante, os trabalhadores teriam a oportunidade de escolher alguém que lhe trouxesse benefícios. 
Essa determinação só veio aumentar o trabalho dos trabalhadores. E ao ser eleito, o representante se encarrega então, de sua tarefa, ou seja, criar estratégias e buscar soluções constantes para a queda da taxa de lucro médio proveniente da luta entre burguesia e proletariado, conseqüente do processo de produção capitalista. Além disso, o representante se torna ainda o responsável para criar meios de manter as instituições para que as mesmas continuem desempenhando a sua função de reprodutora de tal situação e, ainda, promover a criação de métodos cada vez mais  desenvolvidos para vigiar os trabalhadores para que não tenham oportunidade de se unirem e provocarem mudanças no processo de produção. 
E sendo os trabalhadores a maioria, conseqüentemente, que a classe dominante buscaria fortalecer o controle social para impedir que essa parte majoritária da sociedade tome os meios de produção. Novamente lembramos que com a modernidade esse controle não é exercido de forma explícita, embora em alguns casos o seja, como a coerção policial, por exemplo. Mas os capitalistas  buscam, cada vez mais, ocultar esse controle disfarçando-o através de métodos denominados por eles de “democráticos”. A própria escolha eleitoral realizada por “toda” sociedade através do sufrágio universal é um método, chamado democrático, que oculta as relações de dominação e reproduz a exploração.
Essa concepção do estado, aqui analisada, coloca por terra os argumentos socialdemocratas que dizem representar a classe trabalhadora. Kautsky é o principal representante da social-democracia, e segundo ele, citado por Massimo Salvatori, “não se trata de fazer desaparecer o aparelho estatal atual, mas de distinguir por meio de uma expressão particular, como Estado operário ou Estado social, o Estado do futuro em relação ao atual” (apudSalvatori, 1988, p. 167). E ainda, que o proletariado “tem necessidade, sobretudo, da mais poderosa de suas organização: do Estado” (apud Salvatori, 1988, p. 165). Antônio Gramsci é outro pensador que defende uma concepção  análoga, cujo pensamento influencia muitas pesquisas da atualidade, que, semelhante a Kautsky, defende a existência do “estado proletário”. As suas intenções podem ser claramente percebidas quando esse pedagogo estadista, na ótica do proletariado, comete o grande equívoco de afirmar que é preciso.
Educar o proletariado para o exercício da ditadura, do autogoverno. As dificuldades a superar serão muitíssimas; e não é possível prever como de curta duração o período em que tais dificuldades permanecerão vivas e ameaçadoras. Mas, ainda que o Estado proletário devesse durar apenas um dia, temos de trabalhar para que ele tenha condições de existência adequadas ao desenvolvimento de sua tarefa, ou seja, a supressão da propriedade privada e das classes (Gramsci, 2004, p. 255). 
Quando Gramsci trata do “estado proletário” o mesmo toma como referência o estado que na União Soviética, no início do século XX, teve sua representação concreta na pessoa de Lênin, o grande capitalista. É justamente nesse acontecimento histórico concreto que podemos afirmar que Gramsci está tão distante da classe operária quanto o sol está da terra. A propriedade privada nem mesmo as classes podem ser suprimidas através do estado. Como foi dito anteriormente, o estado é expressão das relações de dominação, portanto, expressão da propriedade privada e da classe dominante. Sendo o estado uma relação de dominação, qualquer que seja aquele que através dele domine, estará exercendo a dominação, conseqüentemente, exercendo os privilégios que a propriedade privada lhe dá direito e legitimando a existência de classes sociais, ao contrário do que afirma Gramsci.
Makhaiski ao falar da Rússia, um exemplo do que se diz por aí de “estado proletário”, cita, por exemplo, a  intelligentsia, essa, a classe que domina o estado russo e mantém em estado de opressão a maioria das pessoas que compõe aquela “nação”. Segundo esse pensador a intelligentsia “soube manifestar sua gratidão à burguesia, salvando-a da ruína e da revolução operária” (Makhaiski, 1981, p. 164). O estado russo, comandado por Lênin, mantém em suas mãos os meios de produção, bem como, através desses meios de produção, submete os trabalhadores russos  à exploração  dividindo a mais-valia daí extraída  entre os membros da intelligentsia. Contrária à afirmação de que o estado possa expressar os interesses do proletário, conclui-se que o estado é o meio utilizado pela classe dominante para exercer a dominação. O estado não pode ser proletário por sua essência; o estado será sempre o meio de dominação de uma classe.
Para concluir nossa observação sobre os escritos desse pensador (Gramsci), tomado aqui como referência para exemplificar o pensamento social-democrata, não podemos deixar de evidenciar a sua profunda falta de discernimento do que vem a ser as instituições escolares numa sociedade, e fundamentalmente, a educação daí derivada. Ao dizer que o proletário precisa ser educado para se auto-governar demonstra o quão inocente é esse pedagogo socialdemocrata. Seria o mesmo que afirmar que é preciso educar um asno para o mesmo não morrer de fome, já que, se não for educado, educação essa realizada pelos lacaios dominantes, pode ocorrer que ele não consiga sobreviver em meio à fartura de comida que lhe rodeia. De fato, a educação no capitalismo comporta várias finalidades, e “hoje em dia a preocupação maior da educação consiste em formar indivíduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho” (Tragtenberg, 1990, p. 35).
O proletariado, através da posição que ocupa no âmbito da produção e dos diversos acontecimentos históricos que envolveram a sua classe, é e já foi  o suficiente para que ele percebesse claramente que sua situação só pode ser superada com uma transformação definitiva do modo de se produzir. Isso quer dizer que não é preciso uma infinidade de teorias nem sofistas para lhe dizer que sua situação, enquanto trabalhador, é de submissão. Como diz Korsch as bases do pensamento “não é teórica, mas prática” (Korsch, 1977, p. 129). É através da vida que o trabalhador leva frente aos capitalistas que ele toma consciência das relações que o reprime e, nesta situação, supera os ensinamentos desses sofistas, percebendo que ele e só ele, enquanto classe, enquanto proletariado, é que poderá efetivar os desejos e interesses daqueles que compõem a sua classe.
Como pode ser observado, a partir da relação entre trabalhador e não trabalhador vão ser determinadas as relações sociais em toda a sociedade. A legitimação da dominação realizada pelos proprietários dos meios de produção vai sendo efetivada através do conjunto organizacional instituído; das organizações que buscam a  legitimação e reprodução das relações de produção, da “exploração impiedosa do trabalhador” (Fromm, 1955, p. 85). Naturalmente que a dominação efetivada nas relações de produção vai ser a raiz de onde surgirão as formas de como irá se relacionar esse conjunto institucional, ou seja, através da dominação, da coerção. Como a produção moderna tem seu fim na mercadoria, através da qual se efetiva a extração da mais-valia e onde o capital encontra sua energia de crescimento, pode-se concluir então que o estado,  nesta relação de produção, tem sua expressão como estado capitalista, nas palavras de Engels, o capitalista coletivo.
Lembramos então que o capitalismo é um modo de produção que se encontra em constantes contradições. O estado capitalista luta para manter  a relação de dominação da burguesia sob o proletariado e essa relação entre burguesia e proletariado denomina-se luta de classe. Como toda luta exige um vencedor, podemos chegar à conclusão que se se trata de uma luta onde os lutadores são compostos por muitos indivíduos, ou seja, por grupos, neste caso específico, por duas classes, naturalmente que o vencedor será aquele que 1) estiver mais treinado; 2) aquele que tiver mais força e 3) aquele que contém o maior número de indivíduos. Portanto, através destas três determinações pode-se então chegar ao fim último da luta onde uma das partes envolvidas deixará ao solo o adversário. A luta continua e para saber previamente, como numa corrida de cavalos, quem será o vencedor, devemos entender a dinâmica do capitalismo cuja determinação é a relação de classe, as quais estão em luta constante. Para saber quem será a vencedora, é preciso, então, saber qual classe está mais treinada na luta, qual tem a maior força e qual contém o maior número de indivíduos. Através 
destas três questões temos a possibilidade de prever o vencedor desta luta. 
Porém, a luta está em aberto, ou seja, está acontecendo. Isso quer dizer que a qualquer momento os vencedores gritarão a “vitória”. Enquanto não chega seu fim continuemos entrelaçados e suportados por esta luta. Enquanto ela acontece, muitos morrem, outros endoidecem pelas pancadas fortes tomadas na cabeça, outros adoecem, outros se tornam apáticos, mas enfim, a maioria e a minoria mantém-se firmes na luta. 
Partindo então da obviedade de quem será o vencedor, acreditamos que essa luta não haverá nem um troféu, nem mesmo uma recompensa em capital. Essa luta terá como recompensa o cantar do galo anunciando um novo amanhecer onde todos os seres humanos estarão no mesmo estábulo mantidos  pela mesma crença do fervor que a liberdade possa oferecer em sua plenitude efetiva. A felicidade se fará ouvir e todos poderão dela desfrutar. Nesta situação, não haverá estado para julgar ou determinar o que fazer, pois já estará feito e 
efetivado, o que fazer. O estado, nesta situação, se torna a fumaça da vela apagada e esmaece no ar,  semelhante ao que se faz através de um sopro ao fogo que queima no pavio de uma vela, ou seja, transforma-o em nada, em fumaça, que aos poucos vai desaparecendo no ar. A conseqüência disso é que daí em diante, a idéia que antes dominava se transforma em dominada, a abstração em concreto, as ilusões em efetividade. Neste sentido, o estado “não será abolido, extingue-se” (Engels, 1980, p. 73). Com o tempo sumirá de todas as cabeças existentes a lembrança de sua existência na história da humanidade. Aí chega-se ao fim de toda a história passada e inaugura-se um novo período, o período predominantemente determinado pela sociedade autogestionária.

BIBLIOGRAFIA

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Artigo publicado originalmente em: Revista Enfrentamento – no 01, jul./dez. 2006.