quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O que está acontecendo com o mundo?

Edmilson Marques

                Estamos assistindo atualmente a uma explosão de protestos e lutas espontâneas em todo o mundo. Os ideólogos admiram boquiabertos esses acontecimentos que fogem às suas explicações. Alguns arriscam alguns palpites com invencionices que beira a comicidade; outros (senão a maioria) dirigem à má gestão do estado ou de um determinado partido político a razão de ser do descontentamento da população. Mas isso nada mais é do que uma expressão da ideologia burguesa, de concepções que fogem da verdade, que criam ideias mirabolantes para não falar da verdadeira causa deste descontentamento que prevalece em todo o mundo. Mas porque fazem isso? Por uma causa simples e nobre: para não revelar seus privilégios e consequentemente, reproduzir seu status e tudo que deriva daí, sucesso, autoridade, dinheiro etc. Mas onde está o problema?
                O problema sempre foi e continuará sendo o modo de produção estabelecido no capitalismo. Desde a origem desta sociedade, a luta de classes e tudo que deriva daí, o conflito, o descontentamento, etc. é parte de sua essência. Em determinados períodos históricos esse descontentamento extrapola o controle dos capachos da burguesia, e se transforma em uma luta aberta, clara e visível.
              O que ocorre é que a burguesia, com sua vontade encarniçada e desesperada em busca do lucro, submete um punhado de pessoas aos seus interesses, à exploração. Essas são tratadas como marionetes, como coisas, com um único propósito, proporcionar a ele (ao burguês) o lucro suficiente para manter a sua paz, o gozo de todos os privilégios que o dinheiro consequente da exploração lhe proporciona. Acontece que as pessoas submetidas a estes ditames dos capitalistas não são espantalhos que podem ser manipulados conforme a vontade daquele que busca proteger sua propriedade. As pessoas sentem, pensam, e respondem à opressão que sofrem. Os capitalistas podem, por um determinado tempo, lhe pautar da liberdade, mas não podem retirar delas o sentimento; até criam estratégias para amenizar o seu descontentamento mas isso tem duração limitada, que logo é superado no processo de desenvolvimento da luta de classes.
                Esse descontentamento expressado pelos oprimidos e explorados segue o capitalismo desde a sua origem, e caminhará junto a ele, até que os descontentamentos individuais se tornem unidos, e marchem coletivamente na busca de sua superação, até o fim do capitalismo. As tentativas para isso vêm ocorrendo a séculos. Os capitalistas assistem assustados à investida das classes exploradas, o estado "ainda" vem conseguido controla-los. Acontece que a força da paixão acessa nas pessoas que constituem estas classes em busca da liberdade, lhes torna cega, na luta direta, à consequência da opressão burguesa e estatal, e o triunfo de sua libertação se torna o seu alvo e objetivo. Por isso os protestos vêm se ampliando e tornando cada vez mais intensos. Quando na luta aberta, o medo dá lugar à coragem, a um impulso que leva o indivíduo a agir por si mesmo, sem uma orientação prévia, sem que ninguém lhe diga o que deve ser feito. Naquele momento sabe muito bem porque luta, o que busca, o que deve fazer, e quem é seu inimigo e amigo de luta.
                Não há espanto nem mesmo surpresa em torno dos protestos que vem estourando em todo o mundo. São expressões do descontentamento existente com a sociedade capitalista, que neste momento vem se tornando em luta aberta e ampla; é mais uma investida das classes oprimidas e exploradas sobre a classe opressora exploradora. Por mais que o estado esforce para controlar e acabar com estas revoltas e protestos, não conseguirá extingui-lo, a não ser que tome a decisão de abolir a si mesmo e à burguesia, os reprodutores e criadores desta sociedade, respectivamente. Mas sabemos muito bem que não fará isso. Neste caso, a luta continuará até o dia em que sejam abolidos. E esta abolição será obra única e exclusiva de quem sente na carne, no dia-a-dia, as consequências da exploração e opressão, as classes exploradas.
                A conclusão que podemos tirar a respeitos de todos estes protestos existentes atualmente, é que as classes exploradas estão superando as limitações que a burguesia impôs à sua consciência. As relações de opressão e exploração estão se revelando, e como consequência, as ações efetivas para sua abolição se multiplicando. A crença de que a vida no capitalismo pode algum dia ser desprovida de sofrimentos e descontentamentos, está sendo superada, e sendo substituída pela crença de que a única solução é a edificação de uma nova sociedade; onde as relações de exploração e opressão, enfim, a luta de classes seja inexistente e a liberdade desfrutada e parte do cotidiano de todos; esta crença está se erguendo em um ritmo acelerado e superando todas as ilusões e fantasias criadas pelos ideólogos.
                Para aqueles que desprezam o processo histórico de desenvolvimento da história humana, que acham impossível o fim do capitalismo, não se assustem quando estas lutas tomarem uma amplitude generalizada, explodirem em todo mundo e iniciarem o processo de transformação social. Esta é a tendência destes protestos. Vão se tornar cada vez mais radicais e com proporções cada vez maiores, até que desemboque no grito final, que anunciará o alvorecer de uma nova sociedade, criada, pensada e construída por aqueles que atuaram na luta; por aqueles que cotidianamente são oprimidos e explorados; aqueles que sabem muito bem o objetivo que querem atingir; aqueles que sabem que com suas mão, e apenas com suas mãos, podem criar um novo mundo. O fim destes protestos, só é possível, com o fim do capitalismo e a edificação da sociedade gerida pelos próprios produtores.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

LIVRO: "A QUESTÃO DA ORGANIZAÇÃO EM ANTON PANNEKOEK"



Acaba de ser publicado o livro "A Questão da Organização em Anton Pannekoek", organizado por Lisandro Braga e Nildo Viana, e contando com textos de Edmilson Marques, Lucas Maia, Nildo Viana e Renato Souza. Para ter acesso ao sumário e dados do livro, clique aqui.

Trechos da Apresentação do livro:

"Pannekoek foi desenvolvendo suas teses com o passar do tempo, sendo que algumas ideias manteve até o final de sua vida e aprofundou algumas, enquanto que outras ele repensou e reconsiderou. Para analisar as ideias de Pannekoek é necessário ter em mente o seu percurso intelectual. O seu pensamento atravessou algumas fases. Vamos resumir rapidamente estas fases para compreender mais adequadamente o seu pensamento".
...
"Após isto, Pannekoek cada vez mais se coloca numa posição semelhante a de outros militantes e teóricos da época (Otto Rühle, Paul Mattick, Herman Gorter, etc.) e as experiências das revoluções proletárias serviram para que a ênfase nas formas de auto-organização proletária, os conselhos operários, se tornasse mais nítido. Neste contexto, a crítica a partidos e sindicatos se torna mais ampla, bem como a oposição às burocracias em geral e ao capitalismo de estado russo".
...
"A sua obra Os Conselhos Operários é uma síntese das experiências e reflexões de Pannekoek durante este período e é por isso que ele discute o processo de formação dos conselhos, seu papel, sua importância – além de análises breves de questões específicas, como a Revolução Russa – e discute não só a questão organizacional proletária como também a questão do pensamento e das ideologias (no sentido amplo do termo), além de analisar a guerra e o fascismo".
...
"A afirmação segundo a qual a questão da organização é fundamental para Pannekoek pode gerar a ideia de que ele poderia pensar os conselhos operários de forma fetichista. No entanto, não é este o caso. A questão das organizações recebeu tratamento diferenciado por Pannekoek, dependendo da época em que escrevia e do tipo de organização. Lembrando que o pensamento de Pannekoek atravessou algumas fases e que nestas algumas idéias permaneceram, algumas foram abandonadas e novas foram gestadas, é preciso compreender a concepção de organização em Pannekoek vinculado a este processo".
...
"Um questionamento pode ser feito ao terminar esta breve análise sobre a questão da organização em Pannekoek: como fica a questão das organizações dos revolucionários?"
...
"Nesse sentido, o livro inicia com o capítulo A questão da Organização Proletária escrito por Edmilson Marques no qual ele apresenta a concepção de Pannekoek sobre a mesma, acompanhado dos capítulos de Nildo Viana, Anton Pannekoek e a Questão Sindical, e de Renato Dias, Anton Pannekoek e os Partidos Políticos, nos quais eles discutem a posição de Pannekoek sobre os sindicatos e os partidos políticosNo último capítulo intitulado Os Conselhos Operários de Anton Pannekoek: Uma Utopia-Concreta da Revolução Proletária, Lucas Maia apresenta a revolução proletária como uma tendência histórica na sociedade capitalista".


BRAGA, Lisando e VIANA, Nildo. A Questão da Organização em Anton Pannekoek. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.









quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Minicurso Materialismo Histórico - Dialético e Ciências Humanas


Está acontecendo na UFG. Abaixo mais informações...




Minicurso organizado pelo GPDS - Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade -. Acontece na sala 29 da Faculdade de Ciências Sociais-UFG/Campus Itatiaia, prédio do antigo FCHF, nos dias 23, 24, 26, 29 e 31 de agosto. Gratuito com certificado de 20hs.

23/08 - Materialismo Histórico-Dialético e Ciências Humanas: Conceitos e História.
Ministrante: Edmilson Marques

24/08 - Materialismo Histórico e Teoria da Consciência
Ministrante: Lucas Maia

26/08 - Materialismo Histórico-Dialético e Teoria da Realidade
Ministrante: Nildo Viana

29/08 - Materialismo Histórico e Método Dialético
Ministrante: Cleito Pereira

31/08 - A crítica materialista da ciência
Ministrante: Nildo Viana





I SEMANA DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA IFG/CAMPUS GOIÂNIA


ST 06 História, Marxismo e Autogestão



Edmilson Marques
Cleito Pereira
Dia 05 de outubro

  1. Louise Michel na Comuna de Paris de 1871: deidade feminina ou revolucionária
João Gabriel da Fonseca Mateus

  1. De Proletário a produtor: a experiência dos conselhos de fábrica na Itália na perspectiva de Antonio Gramsci
Ana Carolina Ramos e Silva e Ricardo Rodrigues Alves de Lima

  1. A Contribuição de Louise Michel na Comuna de Paris de 1871
Camilla Rodrigues da Cunha

  1. Concepções existentes sobre a Comuna de Paris
Francielly Cristina Moreira de Oliveira

  1. O que é Revolução
Adriano José Faria Borges

  1. Otto Ruhle: Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária
Nildo Viana

  1. A Revolução Húngara de 1956 como desmistificação do processo de desestalinização da União Soviética
Marcus Vinícius Costa da Conceição





Dia 06 de outubro


  1. Observações críticas sobre os conceitos de fetichismo e alienação em J. Holloway a partir da leitura de Karl Marx
Diego Marques Pereira dos Anjos

  1. A Concepção de intelligentsia em Makhaisky
Edmilson Borges da Silva

  1. Marxismo, Organização Burocrática e Dominação
Erisvaldo Pereira de Souza

  1. Militância, Compromisso e Organização
Lucas Maia

  1. Consumismo na Sociedade Capitalista: alienação e novas necessidades
Mateus Vieira Ório

  1. Pseudo-marxismo, educação libertária e emancipação humana
Patrícia Pereira Miranda e Deivid Carneiro Ribeiro

  1. Marx: Filosofia na Política
Renan Gonçalves Rocha

  1. Ciência e Estado
           Wanderson José de Souza



Mais informações pelo endereço eletrônico: http://www.goiania.ifg.edu.br/1semanahistoria/index.php/apresentacao



terça-feira, 19 de julho de 2011

LANÇAMENTO DO LIVRO SUPER-HERÓIS, CULTURA e SOCIEDADE



Sumário

Apresentação. 3
    Iuri Andréas Reblin


Prefácio: Os Super-Heróis e Nós. 5
    Nildo Viana


Breve História dos Super-Heróis. 8
    Nildo Viana


Os super-heróis e a jornada humana: uma incursão pela cultura e pela religião. 37
    Iuri Andréas Reblin


Super-heróis: ficção e realidade. 64
    Edmilson Marques


Super-heróis na construção da personalidade. 84
    Denise D'Aurea Tardeli


Super-heróis e cultura americana. 101
    Waldomiro Vergueiro


Ética e heroísmo: uma reflexão a partir das histórias em quadrinhos. 121
    Valério Guilherme Schaper



Contracapa:

segunda-feira, 4 de julho de 2011

VEJA ABAIXO ALGUMAS MÚSICAS DE CARÁTER CRÍTICO



Marionete Consciente (2009) - Edmilson Marques

Letra: Nildo Viana
Melodia: Edmilson Marques






Eu Sou Cult (2010) - Edmilson Marques
Letra: Nildo Viana
Melodia: Edmilson Marques







Visita ao Museu (2009) - Edmilson Marques
Letra: Nildo Viana
Melodia: Edmilson Marques






Sagradas Escrituras (2009) - Edmilson Marques
Letra: Nildo Viana
Melodia: Edmilson Marques






Meu Amigo João (2010) - Edmilson Marques
Letra: Nildo Viana

Melodia: Edmilson Marques






Eleições, Voto Nulo e Autogestão Social




Solidão (2009) - Edmilson Marques
 Letra: Nildo Viana
 Melodia: Edmilson Marques







Rock Sem Nota (2010) - Edmilson Marques

Letra: Nildo Viana

Melodia: Edmilson Marques





 O Bom Burguês (2010) - Edmilson Marques

Letra: Nildo Viana

Melodia: Edmilson Marques







Ela (2010) - Edmilson Marques

Letra: Nildo Viana

Melodia: Edmilson Marques









terça-feira, 28 de junho de 2011

I SEMANA DE HISTÓRIA DO IFG: HISTÓRIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO - de 04 a 07 de outubro

O PRAZO PARA INSCRIÇÃO DE COMUNICAÇÕES ENCERRA DIA 30 DE JULHO...


Abaixo proposta de Simpósio Temático na qual poderá inscrever sua comunicação. Para informações de outros Simpósio Temáticos clique aqui


Simpósio Temático 6: HISTÓRIA, MARXISMO E AUTOGESTÃO


 Ms. Edmilson Ferreira Marques 
Professor da UEG/Anápolis e Uruaçu;
Doutorando em História/UFG

Dr. Cleito Pereira dos Santos
Professor da UFG/Ciências Sociais

Resumo:

A proposta com este simpósio temático é reunir pesquisas que abordem temas que possam contribuir com o debate sobre a autogestão social, com o objetivo de possibilitar o avanço e aprofundamento da teoria marxista. A autogestão social ainda é um tema pouco discutido no campo acadêmico, desta forma, por ser um fenômeno presente e parte da história da humanidade é que se faz importante analisá-lo. A autogestão social é parte integrante da história do capitalismo a qual promoveu o surgimento de múltiplas determinações que atualmente perpassam as relações sociais estabelecidas na sociedade moderna. Não só no aspecto político, como no econômico, cultural etc, encontramos questões que se relacionam com a autogestão social, e nesse sentido, o resgate histórico de abordagens e questões que se aproximem ou tenham uma relação direta com a autogestão social, podem oferecer contribuições para a compreensão do que foi, como se desenvolveu, e o que é na atualidade. Devido à sua importância para a história e para a vida na atualidade é que propomos aqui o tema história, marxismo e autogestão.


Envie sua proposta para edmilsonmarques@ymail.com

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A BURGUESIA E O COMUNISMO - PARTE 1

Edmilson Marques

Ainda se ouve na atualidade algumas pessoas expressarem que comunistas são aqueles que “devoram criancinhas vivas”. Uma ideia que causa aversão e acaba levando muitos a desconsiderar e desqualificar aqueles que se dizem comunistas ou que se aproximam de tal perspectiva. O comunismo, portanto, é concebido hegemonicamente como algo que não tem importância, ultrapassado, algo a ser evitado na prática*. Mas, na verdade, estas ideias nada mais são do que ideologias, ideologia no sentido concebido por Marx (2007), de ilusão, ideias metafísicas, enfim, “inversão da realidade” (VIANA, 2010, p. 19). Devido à confusão que gira em torno deste termo é que propomos discuti-lo.
As ideologias que promovem essas confusões são produtos do trabalho de intelectuais que buscam criar ilusões para limitar a consciência e dificultar o desenvolvimento da consciência correta da realidade, objetivando essencialmente, a manutenção da ordem estabelecida. Nesse sentido, as ideias funcionam como forças propulsoras que acabam fazendo com que as pessoas sejam constrangidas a defendê-las no cotidiano. As ideias fazem as pessoas lutarem em sua defesa. Por exemplo, se se fala constantemente para uma criança que no escuro tem um “bicho”, com o tempo ela será impelida a não ir no escuro pois em parte, pensará que lá haverá mesmo um “bicho”. Obviamente que essa ideia não é verdadeira. Quando um adulto diz isso a uma criança não está expressando que há verdadeiramente um “bicho” no escuro, mas está com isso, objetivando determinar e limitar a ação da criança. Desta mesma forma podemos discutir as conseqüências da ideia dominante e falsa de comunismo.
A expressão autêntica e verdadeira do comunismo tem em Karl Marx a sua primeira expressão. Ao tratar do comunismo o fez para expressar a sociedade que será fruto de um processo real da luta dos trabalhadores, em substituição ao capitalismo. Marx (2007) considera por comunismo “o movimento real que supera o estado de coisas atual”. Esta concepção de Marx, no entanto, foi distorcida. Vejamos a causa fundamental desta distorção.
O capitalismo é uma sociedade criada pela burguesia, à sua imagem e semelhança. Nesta sociedade a burguesia é classe dominante, privilegiada, a qual retira sua riqueza do processo de exploração no qual submete os produtores. É neste processo que realiza a extração e apropriação do mais-valor, a fonte fundamental do capitalismo.
O capitalismo, portanto, pressupõe a existência de uma classe dominante (a burguesia), e outras classes exploradas, entre as quais destaca fundamentalmente a classe proletária, por ser esta a produtora de riquezas. Pressupõe, assim a exploração, a luta de classes em torno da produção de mais-valor. A burguesia luta em prol da manutenção do capitalismo e as classes exploradas lutam pelo seu fim, pois nesta sociedade não têm outra alternativa para sobreviver, senão, submeter cotidianamente aos interesses burgueses.
A história do capitalismo está marcada por esta luta entre burguesia e proletariado. Este último por sua vez já demonstrou na prática que o fim do capitalismo é obra única e exclusiva de sua luta. Realizou várias experiências através das quais efetivou o seu projeto de sociedade, a autogestão social, ou seja, uma sociedade onde a organização social é realizada pelos próprios trabalhadores. A Comuna de Paris de 1871 representa a primeira experiência que foi fruto do desenvolvimento de sua luta; posteriormente muitas outras ocorreram, chegando à atualidade com um acúmulo de experiências  que a torna a classe potencialmente capaz de efetivar globalmente esta nova sociedade.
Esta nova sociedade por sua vez só é possível com o fim do capitalismo. Sua realização demarca o fim de privilégios, o fim das classes, o fim da exploração; é o início de uma sociedade igualitária, a sociedade verdadeiramente comunista, no seu sentido autêntico de ser. Bem, se o comunismo, como vimos demarca o fim das classes, o fim da exploração, o início de uma sociedade igualitária sem a existência de patrões e chefes, logo, a possibilidade de uma felicidade generalizada, por que então que o comunismo causa tanto espanto nas pessoas?
Isso só tem uma explicação: com o intuito de distorcer a concepção que demonstra a possibilidade desta outra sociedade vir a substituir o capitalismo, a burguesia, através de seus auxiliares intelectuais, distorceu o sentido verdadeiro de comunismo, tornando-o algo pejorativo, semelhante a aquelas ideias que colocamos no início deste texto. Isso acabou criando dificuldades para que os trabalhadores percebam que são eles próprios os agentes que efetivarão a transformação social, o fim da miséria, o fim do descontentamento generalizado, questões que são fruto da exploração que a burguesia submete os trabalhadores nos locais de trabalho. E a burguesia faz isso para manter os seus privilégios.
A concepção de comunismo hegemonicamente divulgada atualmente na atualidade**, portanto, é uma ideologia, pois, além de divulgar uma falsa ideia de comunismo, provoca sentimentos de sua negação, por ser percebido como algo ruim, negativo, que pode prejudicar a vida das pessoas; desta forma oculta-se as experiências, o movimento real da luta dos trabalhadores que levou à efetivação de uma nova sociedade; e nesse sentido a burguesia consegue temporariamente atrasar o fim do capitalismo, pois muitos evitam inclusive querer saber algo sobre este assunto. 
Essas idéias falsas, no entanto, não perduram para sempre, pois em momentos que a luta do proletariado se torna revolucionária, aquelas são superadas. Enquanto esta luta não se torna aberta e declarada, é preciso revelar o caráter ideológico do comunismo e colocar em seu lugar o seu caráter teórico, ou seja, a expressão verdadeira e autêntica do comunismo, que perpassa pelo projeto de sociedade desejado pelas classes exploradas, a negação da sociedade burguesa. Assim, estaremos contribuindo para que essa luta apareça o mais rápido possível e supere o estado de coisa atual.
Supera-se, desta forma, a ilusão e a substitui pela verdade. O comunismo no seu sentido autêntico é expressão dos interesses de classe do proletariado revolucionário, e se tornará arma para o avanço de sua luta no combate final, quer a burguesia queira, quer não. A burguesia “criou os homens que empunharão essas armas – os operários modernos, os proletários” (MARX e ENGELS, 1998, p. 19). A luta final é inevitável. Nesta o comunismo autêntico prevalecerá sobre a ideologia comunista.


Bibliografia

MARX e ENGELS. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX e ENGELS. Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

VIANA, Nildo. Cérebro e Ideologia: uma crítica ao determinismo cerebral. Jundiaí: Paco Editorial, 2010.


* Na terceira parte desta discussão analisaremos o comunismo que emerge na União Soviética, uma expressão prática do falso comunismo – contrário ao comunismo desejado pelo proletariado revolucionário – o qual causou espanto e medo às pessoas devido à barbárie empreendida pelo estado sobre a população Russa; foi quando os integrantes das classes exploradas foram submetidos às mais cruéis formas de exploração e torturas, tendo o bolchevismo e a concepção leninista a expressão deste falso comunismo. A recusa do comunismo, desta forma, em grande parte pode ser também explicada pelo comunismo que emerge nesta experiência que ocorreu na Rússia.
** Veremos posteriormente que a concepção hegemônica e falsa de comunismo tem em Lênin, sua principal referência.

domingo, 24 de abril de 2011

REVISTA ENFRENTAMENTO NÚMERO 09

PARA ACESSAR A REVISTA CLIQUE AQUI



Sumário

Editorial

Proletariado e Sindicato na Concepção de Anton Pannekoek
Edmilson Marques
Burocracia e Intelectualidade: a dinâmica da luta de classes no capitalismo
Mateus Vieira Ório

A Importância de Antonio Labriola para o Materialismo Histórico
Nildo Viana

Acumulação Capitalista e Tendência à Lumpemproletarização
Lisandro Braga

Autogestão Social e Lutas Sociais
Leonardo Venicius Parreira Proto

O Início de um Ciclo Ascendente de Lutas e o Movimento dos
Desempregados
Roi Ferreiro

Uma Nota Sobre o Movimento Autogestionário
Lucas Maia

Documentos do Movimento Autogestionário

Partido ou Classe?

Movimento Conselhista

quarta-feira, 23 de março de 2011

SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE A COMUNA

Seminário Nacional
A COMUNA DE PARIS E A AUTOEMANCIPAÇÃO PROLETÁRIA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO
17 a 20 de maio de 2011
Unidade de Ciências Socioeconômicas e Humanas da UEG – Anápolis
Faculdade de Ciências Sociais da UFG – Campus Samambaia – Goiânia


Palestras, mesas redondas, comunicações e filmes.
Realização:
Núcleo de Pesquisa Marxista – NPM/UEG
Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade – GPDS/FCS/UFG
Inscrições:
Via e-mail: seminariocomuna140@gmail.com – Até dia 15/05/2011.
A ficha de inscrição está disponibilizada na página do evento
que poderá ser acessada pelo link a seguir: http://npm.teoros.net/apresentacao.html
No primeiro dia do evento (17/05/2011): até às 12:00.
Taxa: R$ 10,00 (dez reais, valor único).
Informações:






 

MINICURSO: MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO

Inscrições podem ser feitas pela internet através do endereço: http://npm.teoros.net/minicursomhdch.html


1. Materialismo Histórico-Dialético e Ciências Humanas: Conceitos e História
Ministrante: Edmilson Ferreira Marques
Data: 19/4 (terça-feira) - Horário: das 13:00 às 17:30

2. Materialismo Histórico e Teoria da Consciência
Ministrante: Edmilson Ferreira Marques
Data: 19/4 (terça-feira) - Horário: das 13:00 às 17:30

3. Materialismo Histórico-Dialético e Teoria da Realidade
Ministrante: José Santana da Silva
Data: 28/4 (quinta-feira) - Horário: das 13:00 às 17:30

4. Materialismo Histórico e Método Dialético
Ministrante: Cleito Pereira dos Santos
Data: 5/5 (quinta-feira) - Horário: das 13:00 às 17:30

5. A crítica materialista da ciência
Ministrante: Nildo Silva Viana
Data: 12/5 (quinta-feira) - Horário: das 13:00 às 17:30

sábado, 12 de março de 2011

Os Dias da Comuna*

 de Bertolt Brecht

Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram
Suas leis, para nos escravizarem.
As leis não mais serão respeitadas
Considerando que não queremos mais ser escravos.

                   
Considerando que os senhores nos ameaçam
                    Com fuzis e com canhões
                    Nós decidimos: de agora em diante
                    Temeremos mais a miséria do que a morte.

Consideramos que ficaremos famintos
Se suportarmos que continuem nos roubando
Queremos deixar bem claro que são apenas vidraças
Que nos separam deste bom pão que nos falta.

                   
Considerando que os senhores nos ameaçam
                    Com fuzis e canhões
                    Nós decidimos: de agora em diante
                    Temeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não podemos mais ficar.

                    
Considerando que os senhores nos ameaçam
                     Com fuzis e canhões
                     Nós decidimos: de agora em diante
                     Temeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que está sobrando carvão
Enquanto nós gelamos de frio por falta de carvão
Nós decidimos que vamos toma-lo
Considerando que ele nos aquecerá

                      Considerando que os senhores nos ameaçam
                      Com fuzis e canhões
                      Nós decidimos: de agora em diante
                      Temeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que para os senhores não é possível
Nos pagarem um salário justo
Tomaremos nós mesmos as fábricas
Considerando que sem os senhores, tudo será melhor para nós.

                       Considerando que os senhores nos ameaçam
                       Com fuzis e canhões
                       Nós decidimos: de agora em diante
                       Temeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que o que o governo nos promete
Está muito longe de nos inspirar confiança
Nós decidimos tomar o poder
Para podermos levar uma vida melhor.

                       Considerando: vocês escutam os canhões
                       Outra linguagem não conseguem compreender
                       Deveremos então, sim, isso valerá a pena
                       Apontar os canhões contra os senhores!


            
* Traduzido por Fernando Peixoto

quinta-feira, 10 de março de 2011

CAPITALISMO E A TEORIA DOS GESTORES

“Nenhuma teoria é neutra, 
embora possam dar-se ao conforto 
de não explicitaros pressupostos 
aqueles autores que têm por si
os valores dominantes.”
João Bernardo


Edmilson Marques


A teoria dos gestores surge num momento em que o capitalismo alcança seu estágio mais desenvolvido na história da humanidade. E a principal questão que buscaremos responder aqui é se esta teoria contribui para o esclarecimento da essência do modo de produção capitalista, assim como para a transformação do mesmo.
A complexidade alcançada por tal teoria é um dificultador para uma compreensão de seu posicionamento enquanto instrumento de luta de uma determinada classe. Portanto, utilizaremos um método que possibilite chegarmos a uma resposta concreta e sistematicamente próxima da realidade, e do nosso ponto de vista, o método dialético é essa possibilidade.
Antes de partirmos para a discussão que propomos, gostaríamos de salientar que uma teoria é um produto da realidade concreta. Sendo assim, ela pode tanto expressar o que de fato existe, quanto, ocultar a sua essência. Nesse sentido, os valores de quem interpreta a realidade interfere diretamente na sua expressão teórica. Ou seja, 
A posição que o indivíduo ocupa numa dada sociedade se refere à qual classe ele pertence ou a partir de qual perspectiva ele se coloca. Embora seja raro, é possível um indivíduo de uma classe partir da perspectiva de outra, o que não o livra da possibilidade de mesclar perspectivas diferentes, ameaçando, assim, no caso do proletariado, a possibilidade de uma visão correta da realidade em sua totalidade (VIANA, 2007, pág. 75).
Existem então aqueles teóricos que buscam interpretar a realidade intencionando fidedignamente a sua compreensão, embora, alguns ficam na superficialidade da realidade, conseqüência da própria ideologia existente, enquanto outros conseguem superar as barreiras do pensamento dominante e expressar realmente o existente, e aqueles que intencionam uma interpretação de validação de uma perspectiva particular, pessoal. A diferença de ambas as situações se encontra na intenção daquele que discute uma determinada questão. Enquanto uma busca a compreensão de uma determinada questão, a outra busca a sua ocultação. Bom. A partir de agora então, poderemos analisar o tema de nossa discussão.

João Bernardo ao desenvolver “sua teoria” dos gestores parte dos mesmos princípios já desenvolvidos por Karl Marx da produção da mais-valia, porém, algumas diferenças essenciais podem ser notadas em ambas as teorias. Uma das discordâncias que podemos citar de João Bernardo em relação a Marx se refere às classes fundamentais existentes no capitalismo, é neste ponto que vamos, neste texto, focar nossa discussão. 

Marx, quando discutiu e analisou o capitalismo no século XIX, partiu dos pressupostos fundamentais da realidade que o envolvia. O capitalismo já apresentava claramente suas bases fundamentais formada, a partir da qual se sustentaria até os tempos atuais. Foi quando afirmou que a burguesia construiu um mundo à sua imagem e semelhança. Se foi a burguesia, uma classe que, enquanto classe, destruiu um mundo e construiu outro, podemos então, partir do pressuposto que este mundo por ela criado, só não seria mais o seu mundo, se a base fundamental por ela criada fosse destruído. Ao transformar o modo de produção feudal, a burguesia instaura o seu modo de produção, o modo de produção capitalista. Segundo Marx,

A moderna sociedade burguesa, surgida das ruínas da sociedade feudal, não eliminou os antagonismos entre as classes. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se, entretanto, por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade inteira vai-se dividindo cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas entre si: Burguesia e proletariado (MARX, 2003, pág. 46).

Se esse é um modo de produção que lhe diz respeito, naturalmente que só não seria mais um modo de produção burguês quando fosse instituído outro modo de produção, que não mais, o capitalista. Uma possibilidade é, por exemplo, um modo de produção autogestionário, fundamentado nos valores e preceitos do proletariado. Portanto, o modo de produção capitalista é um modo de produção criado e desenvolvidopela burguesia, e enquanto este existir, se foi por ela criado, naturalmente que será um modo de produção burguês e aqueles que dele se apropriarem, estarão fazendo o mesmo jogo e estratégia desta classe, logo, se transformando em um deles, num burguês.

Mas a burguesia não está só nesta sua luta pela manutenção e reprodução do capitalismo, dos seus privilégios. Ela, por ser uma minoria, necessita de indivíduos que contribuam para a reprodução do capitalismo. Nem que para se manter como classe dominante ela ceda parte de seus privilégios, da mais-valia extorquida. É quando entra em cena a classe que lhe auxilia (a burocracia) e orienta na manutenção, organização e transformação contínua dos espaços de trabalho.

Porém, a burguesia não é uma classe fechada em si, cujos membros são estáticos e inalterados. Ela acompanha o mesmo processo existente do modo de produção a que deu origem, ou seja, transforma constantemente as relações de produção para continuar existindo enquanto classe dominante. É nesse sentido que podemos acompanhar as transformações que vem ocorrendo no capitalismo moderno, em relação às classes que dominam. A burguesia não é a única classe dominante, ela conta com seus auxiliares (aburocracia) que, em relação ao proletariado, faz o mesmo jogo daquela. Mesmo os integrantes da burocracia, não são estáticos, no sentido de permanecerem sempre burocratas. Devido aos seus valores fetichistas crêem que também são capazes de se tornarem membros da classe burguesa. Então, membros da classe burguesa, muitas vezes, conseqüente das contradições do capitalismo, se tornam membros da classeinferior a ela, porém dominante, da burocracia, e simultaneamente, membros da burocracia também se tornam membros da classe superior a ela, da classe burguesa.

Nesta relação complexa existente no capitalismo moderno, a classe proletária continua sua vida num mundo hostil a ela. Enquanto burgueses e burocratas alternam entre si na organização do trabalho, a base essencial da moderna sociedade continua a mesma, e o proletariado continua sua luta em busca da transformação deste modo de produção que lhe oprime e o faz oprimido. 
Para Marx,
A “burocracia” é o “formalismo de Estado” da sociedade civil. Ela é a “consciência do Estado”, a “vontade do Estado”, a “potência do Estado” como uma corporação (em contraposição ao particular, o “interesse universal” pode se manter apenas como um “particular”, tanto quanto o particular, contraposto proteger a universalidade imaginária do interesse particular, o espírito corporativo, a fim de proteger a particularidade imaginária do interesse universal, seu próprio espírito. O estado deve ser corporação tanto quanto a  corporação quer ser Estado), como uma sociedade particular, fechada, no Estado (MARX, 2005, pág. 65).
Lukács colocou que “a burocracia implica uma adaptação do modo de vida e do trabalho e paralelamente também da consciência aos pressupostos socioeconômicos gerais da economia capitalista” (LUKÀCS, 2003, pág. 219). A partir destas observações podemos perceber algumas características assumidas pelo capitalismo moderno. Sendo o estado capitalista um estado burguês e a burocracia, segundo Marx, a “vontade do estado”, então, a burocracia é uma das classes existentes no capitalismo que busca, segundo Lukács, adaptar o modo de vida e do trabalho ao capitalismo. E na concepção de estado em Nildo Viana podemos visualizar claramente a posição da burocracia nas relações de produção capitalista. Segundo ele, o estado “é uma relação de dominação de classe mediada pela burocracia com o objetivo de manter e reproduzir as relações de produção às quais ele está submetido” (VIANA, 2003, pág. 15). Portanto, a burocracia é a classe mediadora da luta de classe entre burguesia e proletariado. Produto das relações de exploração da modernidade, fruto das relações de produção burguesa, cuja finalidade é a manutenção e reprodução do modo de produção capitalista, logo, da classe burguesa, e, fundamentalmente, do proletariado.

A partir de agora podemos falar da teoria dos gestores. Vamos citar primeiramente um trecho do prefácio do livro “Capital, Sindicatos, Gestores”, prefácio e livro do mesmo autor, João Bernardo.
No reduzido mundo capitalista dos finais do século dezoito e início do dezenove, o que depois se viu claramente serem duas classes distintas, o proletariado e a burguesia, confundiam-se do mesmo lado das barricadas no combate à aristocracia moribunda. Quando, em resultado dessas lutas, a classe burguesa se tornou hegemônica na sociedade, passou para primeiro plano o seu antagonismo prático com o proletariado, o que permitiu a compreensão de ambos como classes opostas e, do ponto de vista proletário, a crítica teórica da burguesia. Ao mesmo tempo os gestores enfrentavam a burguesia e substituíam-se-lhe progressivamente na apropriação do capital, até que, entre a primeira e a segunda guerras mundiais, foi o conflito entre ambas as classes capitalistas que ocupou as atenções. Em 1945 encerrou-se a questão, estabelecendo-se os modos possíveis e as instituições específicas por que a classe dos gestores assume a hegemonia social e secundarizando-se decisivamente as formas particulares de apropriação de capital. A partir do momento em que são os gestores que comandam incontestadamente o capitalismo, é o antagonismo entre eles e a classe operária que passa para primeiro plano (BERNARDO, 1987, pág. 9-10).
Como podemos observar neste trecho, a concepção deste autor com aquela apresentada, contém algumas diferenças. A teoria dos gestores não concebe a burocracia e nem a burguesia, ou melhor, os gestores a quem ele se refere é a classe que domina, mas não é classe auxiliar, por não existir outra classe acima dela e também não é a burguesia. Do ponto de vista do proletariado, o que ele chama de gestores, é a burocracia, e noutros momentos, a própria burguesia. É burocracia quando organiza os espaços de trabalho em função do proprietário, e é burguesia quando organiza os espaços de trabalho e fundamentalmente se apropria do mais-valor. Na ótica de João Bernardo então, gestores e classe operária compõem fundamentalmente o capitalismo moderno. Os gestores, segundo este autor,
“Conduz o capitalismo na ultrapassagem definitiva dos particularismos econômicos”. [...] “São os agentes da superação do particularismo econômico tanto no interior de cada país, como à escala internacional” [...] “são grandes conjuntos de capitalistas, politicamente unificados, que exercem sobre os explorados o seu poder enquanto coletivo social e de uma forma direta” [...] “na dinâmica histórica a planificação resulta de convergência entre o processo de intervenção dos aparelhos políticos sobre o econômico [...] A classe dos gestores foi o agente social ativo desta convergência” [...] “O caráter unificatório e planificado que os gestores imprimem ao capitalismo exprime-se ao nível dos sistemas de propriedade. No que diz respeito aos gestores, e contrariamente à burguesia, a propriedade capitalista não é particularizada individualmente, mas unificada por vastos grupos gestoriais, que a detêm coletivamente” [...] “A classe dos gestores define-se, em resumo, pela unificação dos processos econômicos, o internacionalismo, a fusão do político e do econômico, a planificação, o caráter coletivo da propriedade” (BERNARDO, 1987, pág. 117-118).
Então, a partir da discussão feita por este pensador, duas questões são essencialmente evidenciadas, as quais diferenciam o que ele chama de gestores, da burguesia, bem como a hegemonia do primeiro sobre o segundo. A primeira é a de que com o processo de produção da mais-valia relativa, produto de um “processo produtivo decorrente do funcionamento econômico global e da relação de cada unidade econômica com tal funcionamento” (BERNARDO, 1991b, pág. 203) desponta na sociedade como classe dominante. Uma classe que, segundo ele, existiu desde os primórdios do capitalismo, a classe dos gestores, mas que, antes, era submetida à hegemonia da burguesia, e com o processo de produção assentado sob as bases de produção da maisvalia relativa, essa classe passa a dominar. Deixemos o autor se expressar:

Quanto mais se aceleram os mecanismos da mais-valia relativa, quanto mais estreitamente a economia se integra, tanto mais a burguesia declina e os gestores se unificam e reforçam, até aparecerem claramente como os representantes do capital associado e coletivo, isto é, como capitalistas globais (BERNARDO, 1991b, pág. 217).
Assim, o proletariado passaria então a enfrentar uma nova classe, a classe dos gestores. A segunda questão está associada à forma de existência da propriedade. Veja o final da citação anteriormente descrita: a classe dos gestores define-se, entre outras coisas, pelo caráter coletivo da propriedade. Sobre isso recorremos às suas palavras: 

Os gestores aparecem assim como os verdadeiros representantes do capital associado. Quando se torna independente da propriedade privada, o controle passa a caber à classe dos proprietários coletivos de capital. Dizer que “o controle se separou da propriedade” é hoje um lugar-comum, mas não se trata por isso de uma idéia menos errada. Aqueles que o afirmam operam, elogiosa ou criticamente, na ficção jurídica promovida pelos gestores, que convertem a sua forma coletiva de propriedade do capital numa mítica não-propriedade. O controle não substitui a propriedade. Enquanto expressão da atividade integradora e coordenadora, o controle é o veículo para a transformação de um dado tipo de propriedade, a propriedade privada do capital, numa de outro tipo, a propriedade coletiva do capital (BERNARDO, 1991b, pág. 211).
Por coincidência há uma grande semelhança entre essa concepção e aquela defendida pelos conservadores Adolf A. Berle e Gardiner C. Means em “A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada”.
Com a crescente dispersão da propriedade de ações nas maiores companhias americanas, desenvolveu-se uma nova condição relativamente a seu controle. Os indivíduos que controlam a maior parte dessas companhias não são mais os proprietários dominantes. Aliás, não há proprietários dominantes, e o controle se mantém, em grande medida, separado da propriedade (BERLE e MEANS, 1988, pág. 121).
Em relação ao caráter abrangente do capitalismo, Marx já havia apontado essa sua característica quando tratava da produção capitalista. Para ele a produção capitalista é a 
“Produção e reprodução do conjunto da relação numa escala alargada”, e isso significa reprodução numa forma continuamente acrescida não só das categorias tipicamente capitalistas – mercadorias, dinheiro, salário, mais-valia, lucro, etc. – mas do conjunto das relações sociais, e históricas, e acima de tudo a relação “trabalho assalariado”, sem as quais não seria possível nem o próprio processo de produção do capital, nem o prodigioso desenvolvimento das forças produtivas a ele ligado (MARX, 1975, pág. 09).
Portanto, não é criando novos conceitos e submetendo a realidade a eles que se explica o existente. O capitalismo atual está passando por mais uma de suas fases de desenvolvimento, cujas relações sociais fundamentais continuam as mesmas. A maisvalia é a essência do capitalismo e as classes que a faz existente também continuam a existir, burguesia e proletariado, mediado pela burocracia. A idéia de gestores oculta essa relação uma vez que exclui a burguesia do cenário produtivo e utiliza de um conceito abstrato, metafísico no sentido em que ele propõe ser, gestores enquanto classe dominante à burguesia, com o fim desta última. Mesmo partindo da essência da realidade, produção da mais-valia relativa, essa concepção não favorece a percepção do que de fundamental permanece vivo no interior da classe proletária, a luta e a real possibilidade da transformação radical do modo de produção capitalista, num modo deprodução autogestionário. Quando colocamos no início do texto que existem aqueles indivíduos que utilizam de concepções diferentes da sua para validar a sua, isso se adequa à teoria dos gestores, uma vez que utiliza de conceitos e algumas concepções do proletariado para fazer da teoria dos gestores a teoria válida para o capitalismo moderno. E ao fazer isso, ele amortece a luta de classe servindo de combustível para ocapitalismo continuar se reproduzindo.

Além daquela primeira questão que apontamos na teoria dos gestores existe a segunda questão que é, em nossa concepção, uma outra forma ideológica1 de tal teoria, tratando da forma atualmente existente da propriedade. A propriedade é uma determinação das sociedades de classes, e no exemplo moderno do capitalismo, aquela que é utilizada para privar os trabalhadores de produzirem para si, em detrimento deuma produção para o outro, para o proprietário. A característica acionária da propriedade é apenas mais uma forma estabelecida pela burguesia à propriedade intencionando a perpetuação do capital. Mesmo instituindo uma forma jurídica da propriedade dividida em ações, o seu caráter privado não deixa de existir. A teoria dos gestores coloca que a propriedade coletiva, ou seja, a posse dos meios de produção e das forças produtivas por mais de um indivíduo, senão por um grupo de indivíduos, é obra de uma nova classe dominante, dos gestores, já que esses atuam em grupos e os vários grupos relacionando entre si. Não é burguês, na ótica do defensor da teoria dos gestores, por que a posse dos meios de produção e das forças produtivas está nas mãos de acionistas, os proprietários de ações, cuja propriedade é dirigida e utilizada por um grupo reduzido de indivíduos nas unidades de produção, pelos gestores. E uma vez que a característica do caráter burguês da propriedade está na posse individual, de umindivíduo e não coletiva, de mais de um indivíduo, de um grupo de indivíduos, então, essa característica da propriedade não é burguesa.

Para concluir a nossa discussão a respeito da teoria dos gestores, vamos partir de uma passagem do prefácio do livro Contribuição à Crítica da Economia política de Karl Marx, que diz:

As relações jurídicas – assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si mesmas [...] Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então [...] As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos (MARX, 1977, pág. 24-25)
Podemos perceber daí que a propriedade burguesa é mera expressão jurídica das relações de produção capitalistas. As relações de produção são a essência e o que deriva daí, expressão jurídica, aparência. João Bernardo se prende às relações jurídicas (que no estágio desenvolvido alcançado pelo capitalismo a maioria daqueles que organizam os espaços de trabalho não são os donos da propriedade) e não leva em consideração sua essência, as relações de produção, ou seja, privilegia a aparência em detrimento daessência . É a produção e extração de mais-valor que caracteriza as duas classes sociais existentes no capitalismo, burguesia e proletariado. Logo, aquele que submete o trabalhador à exploração e se apropria do mais-valor é burguês e não gestor como ele afirma.

Essa idéia dos gestores realmente impressiona e convence muitos leitores devido à sua forma potencialmente reflexiva, porém, fundamentada em profundas elucubrações que chega a ser dominada por um caráter mítico. Não podemos deixar nos convencer pelas palavras. É preciso analisá-las e confrontá-las com as relações sociais realmente existentes, chegar à sua essência e daí, verificar conclusivamente a representação dedeterminada teoria em relação às classes existentes. Desse modo, apesar de não excluir do cenário produtivo a exploração sofrida pela classe trabalhadora, essa teoria não dá subsídios suficientes para se chegar à essência do capitalismo moderno no sentido de sua superação, e no capitalismo atual cumpre com a tarefa dos capitalistas de sistematizar uma idéia que não corresponde à sua realidade.
Na ótica de João Bernardo, “quanto mais a economia se desenvolve e se integra, mais se consolidam os gestores” (BERNARDO, 1991b, pág. 216). Em outras palavras, não é possível visualizar o fim do capitalismo, pois, como uma de suas características é sua transformação constante pressupõe então que o capitalismo sempre vai se desenvolver, e consolidar cada vez mais “os gestores”. Por outro lado, a economia não é autônoma e existe por si mesma. Ela existe a partir da existência de seres humanos cercados por determinadas relações sociais. Eles fazem a economia e a fazem de acordo com os valores do modo de produção existente. E dizer que quanto mais desenvolvida mais se consolida esta idéia dos gestores, é dizer ao mesmo tempo que, não há possibilidades de nada mais além do capitalismo.

Finalizamos então dizendo que seguem em marcha constante o desejo fundamental do proletariado, “vencer a burguesia, para destruir o capitalismo e construir um novo sistema de produção coletivo” (PANNEKOEK, 2007, p. 153). Enquanto burguesia e sua classe auxiliar transformam continuamente o modo de produção capitalista para continuarem existindo enquanto classes que dominam e vivem da exploração do proletariado, este último vive em busca de sua liberdade e da transformação radical do modo de produção capitalista em um modo de produção autogestionário.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERLE, Adolf A. e MEANS, Gardiner C. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada. São Paulo, Nova Cultural, 1988.
BERNARDO, João. Capital, Sindicatos, Gestores. São Paulo, Vértice, 1987.
BERNARDO, João. Dialéctica da prática e da ideologia. São Paulo, Cortez, 1991a.
BERNARDO, João. Economia dos Conflitos Sociais. São Paulo, Cortez, 1991b.
LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
MARX, Karl. Capítulo Inédito D’o Capital. Porto, Escorpião, 1975.
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo, Martins Fontes, 1977.
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo, Boitempo, 2005.
MARX, Karl e Engels. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Martin Claret, 2003.
PANNEKOEK, Anton. A Revolução dos Trabalhadores. Barba Ruiva, 2007.
VIANA, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. Goiânia, Alternativa, 2007.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.