quarta-feira, 22 de julho de 2015

DILMA: O MENOR DOS PROBLEMAS

Dilma: o menor dos problemas
Edmilson Marques*

      Dilma Rousseff enfrenta uma das piores fases de seu governo. Integrante de um partido que se diz “dos trabalhadores”, bastou assumir o poder do estado para revelar a quem serviria e pelo qual objetivo governaria. O compromisso de seu partido com os trabalhadores é apenas um jargão, uma ilusão e um recurso para atrair eleitores. No entanto, deu certo, assim como aconteceu com o Lula anteriormente. Dilma, trabalha muito bem pela causa capitalista e não poupa esforços para manter a ordem no Brasil atendendo aos interesses da burguesia (nacional e “estrangeira”) e solapando os parcos direitos conquistados pelas classes exploradas e oprimidas.
Para aprofundar um pouco mais nesta questão apresentaremos aqui uma análise sobre a concepção que aponta o governo Dilma como problema. A questão que levantamos é: o governo Dilma é realmente o problema? Esta é uma questão fundamental para compreendermos o que está se passando no Brasil nestes últimos meses e também para refletir sobre o conjunto de críticas que focam no governo Dilma em si. E é para responder a isso que apresentaremos algumas considerações aqui neste texto.
    Para compreender esta questão é indispensável que ultrapassemos as aparências do governo Dilma. Para isso Marx (1961) contribui profundamente com o seu método de análise para o qual “tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano” (MARX, 1961, p. 301). Essa questão é indispensável para não cairmos nos limites da consciência burguesa, que foca suas atenções no empírico e despreza sua essência e sua historicidade. Focar as atenções na pessoa ou no governo da Dilma provoca a formação de uma concepção que não aponta soluções práticas para os problemas vividos pela maioria dos brasileiros, muito menos contribui para observar a ligação destes problemas com realidades semelhantes ou piores vividas em outros países.
        Portanto, conclui-se a partir daí que a questão é quem está no poder. Esta é uma concepção histórica que acompanha a democracia burguesa. Nesta perspectiva, acredita-se profundamente que se os problemas sociais não foram resolvidos ou começam a crescer é porque a culpa é de quem está governando. A saída proposta então é a sua substituição por outro. O fim da análise é o próprio governante. Somos severamente educados para acreditar nesta ideia o que a torna uma fonte mobilizadora que leva milhões de pessoas às urnas em períodos eleitorais. Mas é necessário avançar para além desta concepção se objetivamos chegar realmente ao problema que assola o mundo atual.
      O título deste texto nos constrange a pensar para além das questões aparentes que envolvem o atual governo no Brasil. Dilma realmente não é o maior dos problemas. Sai um governo e entra outro e os problemas sociais que atormentam, matam e deixam milhares de pessoas na miséria continuam prevalecendo. Para justificar isso os intelectuais afirmam então que os problemas sociais (pobreza, exploração, opressão etc.) são naturais, ou seja, sempre existiram e sempre vão existir. Desta forma, cabe à população escolher um bom governante (ou o menos ruim, como diz o ditado popular) para tentar melhorar as coisas, amenizar o peso do fardo sobre as costas de grande parte da sociedade. E assim caminha a humanidade. Em cada processo eleitoral renova-se a crença de que um dia haverá um bom governante que resolverá as questões sociais. Os discursos esbravejantes encenados nos palanques por integrantes de partidos políticos em períodos eleitorais motivam ainda mais esta crença.
       Não precisamos nos passar por videntes para afirmar que este indivíduo nunca será encontrado. A questão é simples, embora a hegemonia da ideologia a torne complexa. As causas da miséria, da violência, da criminalidade etc., não se trata da incompetência e ação do indivíduo que está no estado, da forma de governo ou de determinado partido. Eles são partes e contribuem com este estado em que se encontra a sociedade, mas o problema real está na existência do próprio capitalismo e do estado. Este deve ser o foco das discussões caso o objetivo seja acabar realmente com as relações de exploração, opressão e dominação.
       O capitalismo é um modo de produção fundado em relações de exploração e dominação (MARX, 1988). A burguesia é classe dominante e explora o proletariado nos locais de produção se apropriando de seu trabalho. Esta mesma relação entre burguesia e proletariado extrapola os locais de produção se manifestando nas demais instâncias da sociedade. A miséria, pobreza, etc., existem por não ser interesse da classe dominante acabar com a mesma, uma vez que ela própria é a geradora destas questões, por manter em suas mãos os meios necessários para produzir o que a população necessita para sobreviver. Ela é a controladora do que produz, do como produz e da própria distribuição.
      Já o estado é a expressão de relações de dominação (VIANA, 2003). Sua existência pressupõe a dominação, a opressão, a exploração. Atua socialmente através da repressão e do controle. Em consequência da relação de exploração exercida pela burguesia sobre o proletariado necessita constantemente intensificar a repressão social para manter a ordem estabelecida. Atua em conformidade com os interesses da burguesia e só assim pode continuar mantendo a insígnia que lhe oferece o capitalismo, o de ser um estado capitalista. A relação entre estado e igualdade social é equivalente à relação entre a vida e a morte, isto é, um é a negação do outro. Enquanto o estado existir a desigualdade social prevalecerá. Já a igualdade social pressupõe uma sociedade sem estado.
Mas porque isso não é o foco das discussões nos meios de comunicação, no meio da intelectualidade, nos discursos realizados por integrantes de partidos políticos, etc.? Pelo qual motivo esta informação é negada e considerada uma concepção ultrapassada e até mesmo manifestação de insanidade mental? Vejamos o motivo que está por trás da ação de alguns dos defensores desta ideia.
Os proprietários e controladores dos meios oligopolistas de comunicação são adeptos dos valores e interesses burgueses. Não há um caso em que tenham divulgado concepções que apontam críticas profundas o estado e o capitalismo como os reais causadores das desgraças sociais existentes no Brasil e no mundo. Evitam e impedem que esta informação seja divulgada. O máximo que fazem e com limitações é apontar o representante do estado como o culpado. Desta forma, como um passe de mágica, fazem desaparecer o modo de produção capitalista, razão de ser dos próprios representantes de organizações burocráticas. Isso acontece por um motivo nobre, ou seja, para não colocar em xeque os seus próprios privilégios. A crítica ao estado e ao capitalismo pode lhe fechar as portas do lucro assim como ir à bancarrota ao provocar a repressão do estado sobre si mesmo (veja um exemplo disso no filme Uma Onda no Ar).
Além dos meios oligopolistas de comunicação a intelectualidade também é defensora da limitação da consciência e compactua com a manutenção da sociedade burguesa. Sua ação pauta por uma consciência estática e limitada em detrimento de uma consciência crítica e transformadora. Isso acontece porque a maioria deles dependem da boa vontade do estado para o financiamento das pesquisas que realizam, sem falar daqueles que integram a burocracia e faz desta a sua razão de ser. Nesse sentido, dedicam a falar de tudo um pouco, mas nem um pouco da existência do estado e do capitalismo como a fonte dos reais problemas enfrentados pela humanidade. Jan Waclav Makhaïski já havia notado em 1905 que as produções dos intelectuais, a ciência, não é inimiga do capitalismo. Segundo ele, ela

Não pode ser inimiga do regime de servidão que existe desde o desenvolvimento histórico da civilização. Ela não deseja ser mais do que analista imparcial deste desenvolvimento histórico; consequentemente, ela não é sua inimiga, mas sua tutora (MAKHAÏSKY, 1981, p. 97).

Desta forma, não se cogita nas abordagens realizadas por intelectuais comprometidos com a academia e a causa burguesa explicitarem a possibilidade de uma nova sociedade que não seja esta em que vivemos. Por isso muitos defendem ações estatais através de reformas e, para ocultar a sua relação política com o capitalismo, a neutralidade, o não envolvimento com questões políticas.
Além dos intelectuais como defensores do capitalismo e do estado há também os integrantes de partidos políticos. Para quem almeja assumir o poder do estado utilizam da estratégia de colocar a culpa e apontar os problemas em quem está no governo, um meio utilizado constantemente para conseguir adeptos e eleitores para vencer as eleições. Por este motivo defendem aquilo que é a razão de ser de seus privilégios na sociedade, ou seja, o capitalismo e o estado.
O capitalismo é fundado na produção de mais-valor. O estado é utilizado pelos burocratas para amortecer a luta de classes e reproduzir o capitalismo. Para este serviço prestado pelo estado seus representantes recebem da burguesia uma parte do mais-valor extraído do proletariado, o que os permite viverem submersos em privilégios sem ter que atuar nas unidades de produção. Por isso sua consciência não lhe possibilita enxergar nada mais do que o poder do estado. Este é o seu grande objetivo e dão a vida por ele.
Outros defensores do capitalismo são os capitalistas. Nem é preciso dizer que a sociedade atual funciona de acordo com os seus interesses. O capitalismo é obra desta classe, criado para servi-la. Desde que se tornou um modo de produção dominante mantém o mesmo papel. Então, esperar que os capitalistas vão fazer alguma coisa para mudar o quadro estabelecido na sociedade atual ou lutar por uma nova sociedade, é como pensar que em algum dia o ser humano poderá determinar a hora do sol nascer ou se pôr.
Bom. A questão no entanto, é que sendo o capitalismo e seu companheiro inseparável, o estado, os reais problemas da humanidade na atualidade, isso quer dizer que independente de quem estiver com o poder do estado em suas mãos a miséria, a exploração, a opressão etc., continuarão existindo. Isso ocorrerá por uma questão óbvia. Em uma sociedade de classes, privilégios para uns e misérias para outros fazem parte da essência de sua organização social. Além disso, o estado é um instrumento de classe e existe para manter a dominação de uma classe sobre outras. O máximo que um indivíduo pode fazer com o poder do estado é controlar a intensidade da miséria, a intensidade da exploração e da opressão, mas nunca aboli-las. É por isso que a abolição da pobreza, da desigualdade, da miséria, da luta de classes e de tudo que deriva daí não é colocada em questão e muito menos cogitado pelo governo. Isso fica claro em seus discursos, que conseguem apenas atingir a máxima de que vão lutar para diminui-los.
O estado é a expressão de relações de dominação e atende aos interesses da classe dominante e de si mesmo. É parte de sua natureza não atender aos interesses de todos. As críticas que historicamente ouvimos sobre os governos é um exemplo de que há milhares de pessoas descontentes com o mesmo, o que demonstra ao mesmo tempo que ele atende os interesses de uns em detrimento de outros. No caso da Dilma, enquanto representante do Estado, a situação é a mesma. Ela atua para atender aos interesses da burguesia, brasileira e de outros países, e, além disso, atua para proteger os seus próprios interesses e de seu partido.
O que é preciso ficar em evidência, portanto, é que a pessoa da Dilma é apenas a ponta do iceberg. Para além dela há questões muito mais profundas que mantém a sociedade como está, neste caos que domina não só o Brasil mas todo o mundo. Quando afirmamos que a Dilma é o menor dos problemas estamos querendo dizer com isso que o maior dos problemas está nas relações sociais que ela representa e defende. E estas relações sociais reproduzidas por ela estão submetidas ao modo de produção capitalista e de seu defensor, o estado.
A ideia que aponta o indivíduo como problema é um excelente recurso criado pela burocracia partidária e estatal para ocultar o verdadeiro problema. Assim culpa-se um determinado indivíduo mas não coloca em evidência a totalidade das relações sociais estabelecidas pelo capitalismo e pelo estado. Com isso os principais problemas ficam ilesos ou pelo menos submersos em ideias que impedem o conhecimento dos agentes que mantém esta sociedade como está.
Dilma é o menor dos problemas mas também é parte do mesmo, e se torna parte por representá-lo. Não vai adiantar nada substituí-la por outra pessoa, mesmo que considere ainda a ideia de que é preciso tentar outra vez. Seus sucessores manterão os problemas atuais ou os tornarão ainda piores. O estado é um dos principais problemas, então, é preciso primeiramente destruí-lo, assim como a todos os partidos e organizações burocráticas. É preciso superar a ideologia da representação, que defende a concepção de que só é possível uma sociedade organizada através do estado.
Mas para fazer isso é preciso pensar em uma alternativa, um novo projeto de sociedade que possa substituir o capitalismo. A história comprova com milhares de exemplos de que o estado assim como os partidos que lutam pelo seu poder não podem fazer nada mais pelas classes exploradas e oprimidas senão, mantê-las no mesmo estado de sempre, ou seja, exploradas e oprimidas. Por outro lado, esta mesma história nos oferece centenas de exemplos de que o único agente capaz de criar uma sociedade igualitária e destituída de classes sociais é a classe proletária.
Não se trata de um indivíduo e muito menos de um partido, tampouco de uma classe que utilizará o estado para criar uma nova organização social. Trata-se da classe que é explorada no capitalismo cuja luta histórica contra o capital a levou a planejar uma sociedade nova, distinta de todas que se conhece na história, na qual o ser humano encontrará definitivamente com sua liberdade.
Portanto, ao proletariado cabe a tarefa de suprimir os rastos das relações de exploração e de dominação que as classes dominantes deixaram na história humana. Uma sociedade nova, destituída de classes sociais, livre de relações de exploração, de opressão e dominação. É em busca de realizar este seu interesse por uma sociedade distinta que esta classe ofereceu à humanidade o seu projeto de sociedade, fundada na autogestão social.
É com o objetivo de evidenciar a necessidade da luta pela autogestão social que reafirmamos que a Dilma é o menor dos problemas, porque o foco deve ser o capitalismo e o seu defensor, o estado. Esses são os reais problemas da humanidade na atualidade. Portanto, o passo mais importante e definitivo que devemos propor e levar adiante deve ser a abolição de ambos. Destruindo ambos abole-se também a necessidade de representantes. A partir daí não teremos mais que alimentar a ilusão de que um dia haverá de encontrar um bom representante, pois os próprios indivíduos representarão a si mesmo e não delegarão esta tarefa a outros. Este é o princípio da autogestão social.


Referências bibliográficas

MAKHAÏSKI, Jan Waclav. A ciência socialista, nova religião dos intelectuais. In: TRAGTENBERG, Maurício. Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MARX, Karl. O Capital Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. Prefácio de Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Alfa-Omega, 1961.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania: a dinâmica da política institucional no capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.





* Doutor em História. Professor da Universidade Estadual de Goiás.

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