Dilma:
o menor dos problemas
Edmilson Marques*
Dilma
Rousseff enfrenta uma das piores fases de seu governo. Integrante de um partido
que se diz “dos trabalhadores”, bastou assumir o poder do estado para revelar a
quem serviria e pelo qual objetivo governaria. O compromisso de seu partido com
os trabalhadores é apenas um jargão, uma ilusão e um recurso para atrair eleitores.
No entanto, deu certo, assim como aconteceu com o Lula anteriormente. Dilma, trabalha
muito bem pela causa capitalista e não poupa esforços para manter a ordem no
Brasil atendendo aos interesses da burguesia (nacional e “estrangeira”) e
solapando os parcos direitos conquistados pelas classes exploradas e oprimidas.
Para aprofundar um pouco
mais nesta questão apresentaremos aqui uma análise sobre a concepção que aponta
o governo Dilma como problema. A questão que levantamos é: o governo Dilma é
realmente o problema? Esta é uma questão fundamental para compreendermos o que
está se passando no Brasil nestes últimos meses e também para refletir sobre o
conjunto de críticas que focam no governo Dilma em si. E é para responder a
isso que apresentaremos algumas considerações aqui neste texto.
Para
compreender esta questão é indispensável que ultrapassemos as aparências do
governo Dilma. Para isso Marx (1961) contribui profundamente com o seu método
de análise para o qual “tanto as relações jurídicas como as formas de Estado
não podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evolução geral do
espírito humano” (MARX, 1961, p. 301). Essa questão é indispensável para não
cairmos nos limites da consciência burguesa, que foca suas atenções no empírico
e despreza sua essência e sua historicidade. Focar as atenções na pessoa ou no
governo da Dilma provoca a formação de uma concepção que não aponta soluções
práticas para os problemas vividos pela maioria dos brasileiros, muito menos
contribui para observar a ligação destes problemas com realidades semelhantes
ou piores vividas em outros países.
Portanto,
conclui-se a partir daí que a questão é quem está no poder. Esta é uma
concepção histórica que acompanha a democracia burguesa. Nesta perspectiva,
acredita-se profundamente que se os problemas sociais não foram resolvidos ou começam
a crescer é porque a culpa é de quem está governando. A saída proposta então é
a sua substituição por outro. O fim da análise é o próprio governante. Somos
severamente educados para acreditar nesta ideia o que a torna uma fonte
mobilizadora que leva milhões de pessoas às urnas em períodos eleitorais. Mas é
necessário avançar para além desta concepção se objetivamos chegar realmente ao
problema que assola o mundo atual.
O
título deste texto nos constrange a pensar para além das questões aparentes que
envolvem o atual governo no Brasil. Dilma realmente não é o maior dos
problemas. Sai um governo e entra outro e os problemas sociais que atormentam,
matam e deixam milhares de pessoas na miséria continuam prevalecendo. Para
justificar isso os intelectuais afirmam então que os problemas sociais
(pobreza, exploração, opressão etc.) são naturais, ou seja, sempre existiram e
sempre vão existir. Desta forma, cabe à população escolher um bom governante
(ou o menos ruim, como diz o ditado popular) para tentar melhorar as coisas,
amenizar o peso do fardo sobre as costas de grande parte da sociedade. E assim
caminha a humanidade. Em cada processo eleitoral renova-se a crença de que um
dia haverá um bom governante que resolverá as questões sociais. Os discursos
esbravejantes encenados nos palanques por integrantes de partidos políticos em
períodos eleitorais motivam ainda mais esta crença.
Não
precisamos nos passar por videntes para afirmar que este indivíduo nunca será
encontrado. A questão é simples, embora a hegemonia da ideologia a torne complexa.
As causas da miséria, da violência, da criminalidade etc., não se trata da
incompetência e ação do indivíduo que está no estado, da forma de governo ou de
determinado partido. Eles são partes e contribuem com este estado em que se
encontra a sociedade, mas o problema real está na existência do próprio capitalismo
e do estado. Este deve ser o foco das discussões caso o objetivo seja acabar
realmente com as relações de exploração, opressão e dominação.
O
capitalismo é um modo de produção fundado em relações de exploração e dominação
(MARX, 1988). A burguesia é classe dominante e explora o proletariado nos
locais de produção se apropriando de seu trabalho. Esta mesma relação entre
burguesia e proletariado extrapola os locais de produção se manifestando nas
demais instâncias da sociedade. A miséria, pobreza, etc., existem por não ser
interesse da classe dominante acabar com a mesma, uma vez que ela própria é a
geradora destas questões, por manter em suas mãos os meios necessários para
produzir o que a população necessita para sobreviver. Ela é a controladora do
que produz, do como produz e da própria distribuição.
Já
o estado é a expressão de relações de dominação (VIANA, 2003). Sua existência
pressupõe a dominação, a opressão, a exploração. Atua socialmente através da
repressão e do controle. Em consequência da relação de exploração exercida pela
burguesia sobre o proletariado necessita constantemente intensificar a
repressão social para manter a ordem estabelecida. Atua em conformidade com os
interesses da burguesia e só assim pode continuar mantendo a insígnia que lhe
oferece o capitalismo, o de ser um estado capitalista. A relação entre estado e
igualdade social é equivalente à relação entre a vida e a morte, isto é, um é a
negação do outro. Enquanto o estado existir a desigualdade social prevalecerá.
Já a igualdade social pressupõe uma sociedade sem estado.
Mas porque isso não é o
foco das discussões nos meios de comunicação, no meio da intelectualidade, nos
discursos realizados por integrantes de partidos políticos, etc.? Pelo qual
motivo esta informação é negada e considerada uma concepção ultrapassada e até
mesmo manifestação de insanidade mental? Vejamos o motivo que está por trás da
ação de alguns dos defensores desta ideia.
Os proprietários e
controladores dos meios oligopolistas de comunicação são adeptos dos valores e
interesses burgueses. Não há um caso em que tenham divulgado concepções que
apontam críticas profundas o estado e o capitalismo como os reais causadores
das desgraças sociais existentes no Brasil e no mundo. Evitam e impedem que esta
informação seja divulgada. O máximo que fazem e com limitações é apontar o
representante do estado como o culpado. Desta forma, como um passe de mágica,
fazem desaparecer o modo de produção capitalista, razão de ser dos próprios
representantes de organizações burocráticas. Isso acontece por um motivo nobre,
ou seja, para não colocar em xeque os seus próprios privilégios. A crítica ao estado
e ao capitalismo pode lhe fechar as portas do lucro assim como ir à bancarrota
ao provocar a repressão do estado sobre si mesmo (veja um exemplo disso no filme
Uma Onda no Ar).
Além dos meios
oligopolistas de comunicação a intelectualidade também é defensora da limitação
da consciência e compactua com a manutenção da sociedade burguesa. Sua ação
pauta por uma consciência estática e limitada em detrimento de uma consciência
crítica e transformadora. Isso acontece porque a maioria deles dependem da boa
vontade do estado para o financiamento das pesquisas que realizam, sem falar
daqueles que integram a burocracia e faz desta a sua razão de ser. Nesse
sentido, dedicam a falar de tudo um pouco, mas nem um pouco da existência do estado
e do capitalismo como a fonte dos reais problemas enfrentados pela humanidade. Jan
Waclav Makhaïski já havia notado em 1905 que as produções dos intelectuais, a
ciência, não é inimiga do capitalismo. Segundo ele, ela
Não pode ser inimiga do regime de
servidão que existe desde o desenvolvimento histórico da civilização. Ela não
deseja ser mais do que analista imparcial deste desenvolvimento histórico;
consequentemente, ela não é sua inimiga, mas sua tutora (MAKHAÏSKY, 1981, p.
97).
Desta forma, não se
cogita nas abordagens realizadas por intelectuais comprometidos com a academia
e a causa burguesa explicitarem a possibilidade de uma nova sociedade que não
seja esta em que vivemos. Por isso muitos defendem ações estatais através de
reformas e, para ocultar a sua relação política com o capitalismo, a
neutralidade, o não envolvimento com questões políticas.
Além dos intelectuais
como defensores do capitalismo e do estado há também os integrantes de partidos
políticos. Para quem almeja assumir o poder do estado utilizam da estratégia de
colocar a culpa e apontar os problemas em quem está no governo, um meio
utilizado constantemente para conseguir adeptos e eleitores para vencer as
eleições. Por este motivo defendem aquilo que é a razão de ser de seus
privilégios na sociedade, ou seja, o capitalismo e o estado.
O capitalismo é fundado
na produção de mais-valor. O estado é utilizado pelos burocratas para amortecer
a luta de classes e reproduzir o capitalismo. Para este serviço prestado pelo
estado seus representantes recebem da burguesia uma parte do mais-valor
extraído do proletariado, o que os permite viverem submersos em privilégios sem
ter que atuar nas unidades de produção. Por isso sua consciência não lhe
possibilita enxergar nada mais do que o poder do estado. Este é o seu grande
objetivo e dão a vida por ele.
Outros defensores do
capitalismo são os capitalistas. Nem é preciso dizer que a sociedade atual
funciona de acordo com os seus interesses. O capitalismo é obra desta classe,
criado para servi-la. Desde que se tornou um modo de produção dominante mantém
o mesmo papel. Então, esperar que os capitalistas vão fazer alguma coisa para
mudar o quadro estabelecido na sociedade atual ou lutar por uma nova sociedade,
é como pensar que em algum dia o ser humano poderá determinar a hora do sol
nascer ou se pôr.
Bom. A questão no
entanto, é que sendo o capitalismo e seu companheiro inseparável, o estado, os
reais problemas da humanidade na atualidade, isso quer dizer que independente
de quem estiver com o poder do estado em suas mãos a miséria, a exploração, a
opressão etc., continuarão existindo. Isso ocorrerá por uma questão óbvia. Em uma
sociedade de classes, privilégios para uns e misérias para outros fazem parte da
essência de sua organização social. Além disso, o estado é um instrumento de
classe e existe para manter a dominação de uma classe sobre outras. O máximo
que um indivíduo pode fazer com o poder do estado é controlar a intensidade da
miséria, a intensidade da exploração e da opressão, mas nunca aboli-las. É por
isso que a abolição da pobreza, da desigualdade, da miséria, da luta de classes
e de tudo que deriva daí não é colocada em questão e muito menos cogitado pelo
governo. Isso fica claro em seus discursos, que conseguem apenas atingir a
máxima de que vão lutar para diminui-los.
O estado é a expressão de
relações de dominação e atende aos interesses da classe dominante e de si
mesmo. É parte de sua natureza não atender aos interesses de todos. As críticas
que historicamente ouvimos sobre os governos é um exemplo de que há milhares de
pessoas descontentes com o mesmo, o que demonstra ao mesmo tempo que ele atende
os interesses de uns em detrimento de outros. No caso da Dilma, enquanto
representante do Estado, a situação é a mesma. Ela atua para atender aos
interesses da burguesia, brasileira e de outros países, e, além disso, atua
para proteger os seus próprios interesses e de seu partido.
O que é preciso ficar em
evidência, portanto, é que a pessoa da Dilma é apenas a ponta do iceberg. Para
além dela há questões muito mais profundas que mantém a sociedade como está,
neste caos que domina não só o Brasil mas todo o mundo. Quando afirmamos que a
Dilma é o menor dos problemas estamos querendo dizer com isso que o maior dos
problemas está nas relações sociais que ela representa e defende. E estas relações
sociais reproduzidas por ela estão submetidas ao modo de produção capitalista e
de seu defensor, o estado.
A ideia que aponta o
indivíduo como problema é um excelente recurso criado pela burocracia
partidária e estatal para ocultar o verdadeiro problema. Assim culpa-se um
determinado indivíduo mas não coloca em evidência a totalidade das relações
sociais estabelecidas pelo capitalismo e pelo estado. Com isso os principais
problemas ficam ilesos ou pelo menos submersos em ideias que impedem o
conhecimento dos agentes que mantém esta sociedade como está.
Dilma é o menor dos
problemas mas também é parte do mesmo, e se torna parte por representá-lo. Não
vai adiantar nada substituí-la por outra pessoa, mesmo que considere ainda a
ideia de que é preciso tentar outra vez. Seus sucessores manterão os problemas atuais
ou os tornarão ainda piores. O estado é um dos principais problemas, então, é
preciso primeiramente destruí-lo, assim como a todos os partidos e organizações
burocráticas. É preciso superar a ideologia da representação, que defende a
concepção de que só é possível uma sociedade organizada através do estado.
Mas para fazer isso é
preciso pensar em uma alternativa, um novo projeto de sociedade que possa
substituir o capitalismo. A história comprova com milhares de exemplos de que o
estado assim como os partidos que lutam pelo seu poder não podem fazer nada
mais pelas classes exploradas e oprimidas senão, mantê-las no mesmo estado de
sempre, ou seja, exploradas e oprimidas. Por outro lado, esta mesma história
nos oferece centenas de exemplos de que o único agente capaz de criar uma
sociedade igualitária e destituída de classes sociais é a classe proletária.
Não se trata de um
indivíduo e muito menos de um partido, tampouco de uma classe que utilizará o
estado para criar uma nova organização social. Trata-se da classe que é
explorada no capitalismo cuja luta histórica contra o capital a levou a
planejar uma sociedade nova, distinta de todas que se conhece na história, na
qual o ser humano encontrará definitivamente com sua liberdade.
Portanto, ao proletariado
cabe a tarefa de suprimir os rastos das relações de exploração e de dominação
que as classes dominantes deixaram na história humana. Uma sociedade nova,
destituída de classes sociais, livre de relações de exploração, de opressão e
dominação. É em busca de realizar este seu interesse por uma sociedade distinta
que esta classe ofereceu à humanidade o seu projeto de sociedade, fundada na
autogestão social.
É com o objetivo de
evidenciar a necessidade da luta pela autogestão social que reafirmamos que a Dilma
é o menor dos problemas, porque o foco deve ser o capitalismo e o seu defensor,
o estado. Esses são os reais problemas da humanidade na atualidade. Portanto, o
passo mais importante e definitivo que devemos propor e levar adiante deve ser
a abolição de ambos. Destruindo ambos abole-se também a necessidade de representantes.
A partir daí não teremos mais que alimentar a ilusão de que um dia haverá de
encontrar um bom representante, pois os próprios indivíduos representarão a si
mesmo e não delegarão esta tarefa a outros. Este é o princípio da autogestão
social.
Referências
bibliográficas
MAKHAÏSKI, Jan Waclav. A
ciência socialista, nova religião dos intelectuais. In: TRAGTENBERG, Maurício. Marxismo Heterodoxo. São Paulo:
Brasiliense, 1981.
MARX, Karl. O Capital Vol. 1. São Paulo: Nova
Cultural, 1988.
MARX, Karl. Prefácio de Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Alfa-Omega,
1961.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania: a dinâmica
da política institucional no capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.* Doutor em História. Professor da Universidade Estadual de Goiás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário